Evocando o meu pai — Armando Grilo

Alegria na chegada; a tristeza vinha depois

Armando Grilo



O navio-museu “Santo André” conduz-me sempre a recordações indeléveis, com saudades e memórias de mau pai, Armando Lourenço Martins, mais conhecido por Armando Grilo, contramestre do arrastão que foi campeão das pescas durante muito tempo. Fazia duas viagens por ano e o meu pai só podia estar connosco em curtas férias, ainda por cima envolvido nos trabalhos de preparação para novas viagens.
A partida para mais uma viagem era dia de luto em casa, com a nossa mãe chorosa e eu e o meu irmão calados. Não tínhamos palavras para dizer. E a vida continuava, com as saudades presentes, atenuadas pela ânsia da chegada, só possível no tempo próprio e com boa carga de bacalhau.
Com a partida do banco, rumo a casa, vinha a alegria e os preparativos da receção começavam, aumentando exponencialmente, para que o pai encontrasse tudo direitinho. Casa, quintal, as coisas pessoais de cada um arrumadinhas, que os avisos da mãe não paravam, lembrando que o pai não gostaria disto e daquilo.
O dia da chegada era festa. Corrida para a Barra, olhando sofregamente o arrastão a entrar, com os tripulantes a acenar com força, bonés no ar, como que a dizer «estou aqui!». Nova corrida para o porto de pesca longínqua, junto à EPA (Empresa de Pesca de Aveiro), empresa do “Santo André”. E nós ansiosos para entrar no navio.
Cheiro a pão a sair do forno que ainda hoje me não sai do olfato. Manteiga no pão quente de sabor inexplicável. Ou bifanas mesmo rijas, que sabiam bem como poucas. Olhos postos no pai que no seu camarote nos mimava e nos perguntava pela mãe que esperava no cais. Preparar a mala para abandonar o navio. Lembranças escondidas por aqui e por ali, embrulhadas na roupa ou no corpo, como um tecido fino para um vestido de que a minha mãe muito gostou. Uma garrafa de Whisky para um amigo compreensivo, com a pergunta sacramental: «posso sair, senhor guarda?» E um obrigado sem esperar pela autorização.
E lá regressávamos a casa, a pé, que era perto, mas com muita demora, que os amigos gostavam de saber pormenores da viagem. O meu pai não se cansava de contar os temporais, as boas pescas, os sofrimentos de alguns. E a promessa de que qualquer dia deixaria a vida do mar, para onde fora aos 14 anos.
E em casa, à volta da mala, lá esperávamos pelas lembranças de Saint John's. Era a alegria maior. A tristeza chegaria semanas depois.

Fernando Martins

Piódão — Uma aldeia histórica

Passagem obrigatória 
para turista que preza a cultura

Piódão

De Arganil, rumei a Piódão, uma Aldeia Histórica que é uma referência nacional. Foram 41 quilómetros, por estrada que serpenteia a Serra do Açor, do cimo da qual se pode apreciar um panorama único, pela verdura que o enche e pelos desfiladeiros que atemorizam o viajante mais destemido. Por aqui e por ali, casebres abandonados, de xisto, e, lá no alto, as torres que aproveitam a energia eólica. Nem vivalma pelo caminho. Apenas a serenidade e a beleza do ambiente, o ar puro que desentope os brônquios e a alma a sentir-se livre e a querer voar para chegar ao infinito. Depois, ao longe, ao virar de uma esquina serrana, meta à vista, com o casario da aldeia, como um bloco único de xisto.
Piódão é uma aldeia que não pode deixar de fazer parte de qualquer roteiro turístico para quem busca raízes ancestrais. A fundação do povoado data de 1676 e mantém, ainda hoje, as características da região, com uma fidelidade que impressiona. Povoamento concentrado de montanha, numa encosta e em ladeira, casas de xisto, ruas pedestres estreitas e tortuosas, regatos que escorrem por leito de pedra, flores e hortas em recantos aproveitados, tudo nos mostra o labor harmonioso de gente que através de séculos e séculos ali se fixou.

Juniores do Grupo Desportivo da Gafanha


Uma foto para recordar outros tempos. Achei-a no meu arquivo e não resisti em publicá-la até porque há nomes e rostos que me são familiares. Penso que a legenda corresponde à verdade e que o título evoca um ano em que vencemos quase toda a gente. Até o Futebol Clube do Porto, ao que suponho. Corrijam-me se estou enganado.

Construção do Santuário de Schoenstatt

Santuário de Schoenstatt em construção na Gafanha da Nazaré

Dos meus arquivos, desorganizados mas à espera de paciência, repesquei esta foto que mostra a azáfama que a população da Gafanha da Nazaré, em especial, assumiu para construir o Santuário de Schoenstatt, na Colónia Agrícola.Voluntários, com entusiasmo, fizeram trabalhos que muitos, decerto, nem haviam sonhado. Quem corre por gosto não cansa, diz o povo com razão. E o Santuário foi inaugurado no dia 21 de Outubro de 1979, com a bênção do nosso bispo de então, D. Manuel de Almeida Trindade.

Recordando o Padre Manuel Maria

Nós temos muito amor à nossa Gafanha

Padre Manuel Maria


«Nós, os mais velhos desta terra (donde já eram naturais os nossos pais de santa memória), temos muito amor à nossa Gafanha da Nazaré, e não a trocaríamos por nenhuma outra, ainda que fosse a nossa capital Olissiponense.
Conhecemo-la outrora, quando ela ainda era “criança”. Algumas casitas humildes, semeadas pelo meio dos pinheiros, servidas por caminhos de areia, por onde os boizitos mal podiam arrastar o carro quase vazio. As carências eram de toda a ordem. Só havia abundância duma coisa: trabalho duro e pouco rentável, e uma indómita vontade de trabalhar.
Era bom que os novos pensassem nisto, para nunca sucumbirem em face das dificuldades da vida, lembrando-se de que são descendentes de homens sacrificados e esforçadíssimos, que poderíamos intitular de “Heróis” da terra.
Ora, pelo grande amor ao trabalho, pelas admiráveis potencialidades desta região, decorrentes sobretudo da vasta Ria e do Mar imenso ligados a esta terra por um complexo de amigos inseparáveis, e por muitas outras causas que não dependem da vontade do homem — o que é certo e evidente é que o progresso das Gafanhas (que não é só da Gafanha da Nazaré) tem sido nos últimos anos insuperável e galopante.

Obra da Providência — Padre Vidal


Padre Vidal

O encontro de Maria da Luz Rocha com o Padre Vidal, referido anteriormente, em data imprecisa de 1955, foi providencial. O Padre António Henriques Vidal, com os seus conhecimentos de iniciativas semelhantes e com a preocupação radical de levar à prática a Boa Nova de Jesus Cristo, abriu portas, sugeriu caminhos, procurou contactos e ajudou com indiscutível entusiasmo a obra nascente. Em boa hora, pois, se deslocou Maria da Luz a Aveiro, não apenas para passar pela Livraria Católica, mas também. Tinha por hábito fazer compras na cidade dos canais e na livraria procurava obras de formação cristã, para si e para emprestar a pessoas amigas. Agora, para se documentar sobre a melhor maneira de apoiar as raparigas e mulheres que estavam a ser encaminhadas para uma vida nova. 

GAFANHA — Deserto enorme de areias soltas


Deserto de areias soltas

«[A Gafanha] Era um lençol desolador de areia branca, de dúzias de quilómetros quadrados, que os braços da laguna debruavam a norte, a leste e a poente, isolando do contacto da vida a solidão árida do deserto.
Lá dentro, longe das vistas, bailavam as dunas, ao capricho dos ventos, a dança infindável da mobilidade selvagem dos elementos em liberdade.
Brisas do mar e brisas da terra, ventos duráveis do norte em dias de estabilidade barométrica, e rajadas violentas de sudoeste a remoinharem no céu enfarruscado de noites tempestuosas, eram quem governava o perfil das areias movediças cavadas em sulcos e erguidas em dunas de ladeiras socalcadas a miudinho.
Era assim a Gafanha do tempo dos nossos bisavós: deserto enorme de areia solta, a bailar, ao capricho dos ventos, o cancan selvagem de uma liberdade sem limites.
Um dia, não longe ainda, um homem atravessou a fita isoladora da Ria e pôs pé na areia indomável. Não sabe a gente se o arrastava a coragem do aventureiro, se o desespero do foragido. De qualquer modo, ele fez no areal a sua cabana, à beira da água, e principiou a luta de gigantes do Gafanhão contra a areia.»

Joaquim Matias,
Arquivo do Distrito de Aveiro,
vol IX,1943, página 317

Protestantismo na Gafanha da Nazaré


Manuel Vilarinho foi pioneiro entre nós

Na década de 40 do século passado, por iniciativa de Manuel Maria Fidalgo Vilarinho, as ideias evangélicas relacionadas com correntes cristãs desligadas da Igreja católica, mais conhecidas por protestantes, entraram na Gafanha da Nazaré de forma mais sistemática. Graças à militância dos seus membros, depressa ganharam expressão entre algumas famílias até aí católicas, vindo a construir um templo que ficou concluído na década seguinte e que se mantém.
Manuel Vilarinho foi catequizado por Arlindo Tavares, de Aveiro, também ele dinâmico obreiro do protestantismo. Porém, o nosso conterrâneo não ficou enquadrado por qualquer grupo protestante, porque entendia que Jesus Cristo não fundou nenhuma Igreja. Estando assim desalinhado durante alguns anos, aquando da construção do templo sentiu-se “obrigado”, por razões legais, a entregar a sua administração à Igreja dos Irmãos.

13 de maio pela rádio em casa do senhor João Catraio



Teria os meus seis anos quando vi e ouvi, pela primeira vez, um rádio. Na altura chamavam-lhe telefonia. Foi na casa do tio João Catraio. Num dia 13 de Maio, para ouvir as cerimónias de Fátima.
Mulheres e filhos sentados no chão, numa sala onde a telefonia era rainha, ali se ouvia o que decorria no Santuário de Fátima, com a missa celebrada em latim. Um padre fazia os comentários e um locutor, como então se dizia, dava explicações do que estava a acontecer. O tio João, sentado ao lado do rádio, de quando em vez acertava a sintonia. Pelos vistos, as ondas sonoras desviavam-se do aparelho e era preciso estar atento, para não se perder pitada do que lá longe se celebrava. 
Na sala, ao lado das pessoas sentadas no chão, estavam a mulher Carolina e as filhas, Maria e Clementina (gémeas), estas mais atentas ao que se passava e à espera de quem viesse para ouvir a transmissão daquele santuário.

Considerações sobre o Natal




Encontro

Numa antecipação marcada pela vivência natalícia de décadas, felizmente sempre no seio da família, é saboroso perspetivar o NATAL  com muito de bom que há-de ficar na história pessoal de cada um. O encontro adivinhado na casa-mãe, com todos os membros da família a partilharem as alegrias próprias da quadra, onde os desejos de uma felicidade abençoada pelo Menino-Deus se pressente nos olhares de todos, é sinal de que tudo se conjuga para se reforçar o laço da ternura que almejamos.

Aperitivos

Na hora dos aperitivos lá estão, efusivos, os cumprimentos afetuosos, como se não nos víssemos há muito tempo. Uma ou outra queixita, mais dos menos jovens,  gestos carinhosos dos mais sensíveis, palavras amigas de circunstância, uma ou outra recordação de tempos idos, um olhar ternurento para o Presépio que vem dos avós. Ao lado, para os lados da cozinha, atarefados, lá está quem assumiu os preparativos finais por que todos esperam: mesa posta, pratos tradicionais, tudo enfeitado por decoração alusiva à festa da Família, com o Menino-Jesus a contemplar, enternecido, a harmonia familiar. Estou em crer que chega mesmo a sentar-se à mesa, num dos lugares vazios de há anos a esta parte. Tudo se conjuga para que o NATAL seja o reflexo do espírito que a Igreja nos tem ensinado a viver, não apenas nesta quadra, mas durante toda a vida.

Este meu blogue ficará disponível apenas para consulta

Por razões compreensíveis e próprias da minha idade, este meu blogue vai continuar disponível para consulta, mas não será atualizado. Contin...

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