Nós temos muito amor à nossa Gafanha
Padre Manuel Maria |
«Nós, os mais velhos desta terra (donde já eram naturais os nossos pais de santa memória), temos muito amor à nossa Gafanha da Nazaré, e não a trocaríamos por nenhuma outra, ainda que fosse a nossa capital Olissiponense.
Conhecemo-la outrora, quando ela ainda era “criança”. Algumas casitas humildes, semeadas pelo meio dos pinheiros, servidas por caminhos de areia, por onde os boizitos mal podiam arrastar o carro quase vazio. As carências eram de toda a ordem. Só havia abundância duma coisa: trabalho duro e pouco rentável, e uma indómita vontade de trabalhar.
Era bom que os novos pensassem nisto, para nunca sucumbirem em face das dificuldades da vida, lembrando-se de que são descendentes de homens sacrificados e esforçadíssimos, que poderíamos intitular de “Heróis” da terra.
Ora, pelo grande amor ao trabalho, pelas admiráveis potencialidades desta região, decorrentes sobretudo da vasta Ria e do Mar imenso ligados a esta terra por um complexo de amigos inseparáveis, e por muitas outras causas que não dependem da vontade do homem — o que é certo e evidente é que o progresso das Gafanhas (que não é só da Gafanha da Nazaré) tem sido nos últimos anos insuperável e galopante.
Tal progresso, reconhecemos que até pode fazer alguma sombra à capital do distrito e à sede do concelho. Mas há que reconhecer que, quando as forças da natureza puxam num sentido, o homem pouco ou nada conseguirá, se teimar em puxar em sentido contrário. Seria remar contra a maré.
Ora, todo o progresso rápido dos povos traz consigo inconvenientes e perigos. Podemos talvez chamar a isso: crise de crescimento. É o caso da nossa terra amada.
O progresso material, em indústria, economia, finança, comodidade, bem-estar… é por demais evidente. O que falta, para que esse progresso seja completo e bem ordenado, é cultura, é uma certa mentalidade evoluída, que saiba encontrar chefes competentes que tenham vontade de orientar sem vaidade, cuja competência o povo reconheça e respeite. É que o povo sem chefes nunca irá longe.
Já temos felizmente, aqui na terra, muitas pessoas com cursos superiores. Naturalmente são esses que devem propugnar pelo progresso da Gafanha, sem vaidade nem triunfalismo, mas por um amor desinteressado à sua e nossa terra. Quando todos se julgam competentes para mandar e orientar, cai-se na anarquia que torna impossível um verdadeiro progresso; e até os outros povos vizinhos mais evoluídos se riem de nós: caímos no ridículo.
É preciso que nos convençamos de que nem todos nascemos para mandar, e que para o fazer corretamente, é necessária a preparação adequada.
Todos nós, os Gafanhões, queremos trabalhar por uma Gafanha maior, mais próspera e mais respeitada. Não dêmos aos estranhos a impressão de que só sabemos ser egoístas e individualistas.
Quem tem dotes e preparação para mandar, pois que mande, não por egoísmo ou por interesse pessoal, mas para bem da comunidade.
Se nos soubermos unir todos — chefes e povo — e assim em união, todos trabalharmos para o engrandecimento da terra, a Gafanha será, dentro de poucas décadas, uma bela e grande Vila, ou mesmo — quem sabe? — uma grande e próspera Cidade.»
Undemil
NOTAS:
1. Undemil foi o pseudónimo usado pelo saudoso padre Manuel Maria Carlos;
2. Texto publicado no Timoneiro e reproduzido no meu livro "Gafanha da Nazaré — 100 anos de vida"
1. Undemil foi o pseudónimo usado pelo saudoso padre Manuel Maria Carlos;
2. Texto publicado no Timoneiro e reproduzido no meu livro "Gafanha da Nazaré — 100 anos de vida"
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