O AMÉRICO
De sorriso largo a emoldurar-lhe o rosto gasto pelos anos e cansado de tanto trabalho e canseiras, de chapéu a bailar-lhe nas mãos calejadas pela luta do dia a dia, de gravata garrida sobre a camisa branca, de sapatos polidos e fato completo, vinha desejar-me bom Natal, tantos anos depois de nos termos conhecido. Os anos passam, mas as amizades, nem sempre manifestadas por tantos motivos, perduram. Era o caso.
O Américo tinha saudades de alguns momentos vividos e sentidos em comum. Vinha da estranja, para onde fora em hora de mudar de vida. Era a terceira tentativa, depois de ter desistido da mina que lhe roubou a saúde e nunca lhe matou a fome.
Quando o conheci, tinha trinta e poucos anos, filhos seguidinhos, pele enrugada e olhos encovados pela escuridão do poço, parecia na casa dos cinquenta.
— Tenho cara disso, mas estou muito longe. E olhe, também é por causa disso que quero fugir da mina.
Trabalhava horas a fio, em condições sub-humanas, com o pó negro do carvão a corroer-lhe os pulmões. Mal alimentado, como sina de todos os mais pobres, sentia a vida a escapar-lhe a olhos vistos. E a mulher e os filhos? Ela não podia trabalhar fora de casa. Assim lho pediam as crianças, todas a precisarem dos cuidados maternos.
— Cheguei a apanhar fruta dos quintais alheios para matar a maldita fome que me atormentava. E não havia por ali outros trabalhos onde pudesse ganhar o mínimo para sustentar a família.
E sonhou. Sonhou com terras de progresso e de trabalho a rodos para todos. Onde os operários ganhassem o correspondente ao suor gasto. Não importava os esforços que lhe exigissem. O que importava é que tivesse o necessário. Tentou a França. Clandestino como tantos, há décadas. Preso na “viagem”, pelos vizinhos espanhóis, passou das boas, longe dos seus e sem ninguém que o ajudasse.
Depois da prisão e da condenação suspensa, foi o mar que o atraiu porque “sempre devia haver mais trabalhos” para quem nunca regateou canseiras.