Encontro
Numa antecipação marcada pela
vivência natalícia de décadas, felizmente sempre no seio da família, é saboroso
perspetivar o NATAL com muito de bom que há-de ficar na história
pessoal de cada um. O encontro adivinhado na casa-mãe, com todos os membros da
família a partilharem as alegrias próprias da quadra, onde os desejos de uma
felicidade abençoada pelo Menino-Deus se pressente nos olhares de todos, é
sinal de que tudo se conjuga para se reforçar o laço da ternura que almejamos.
Aperitivos
Na hora dos aperitivos lá estão,
efusivos, os cumprimentos afetuosos, como se não nos víssemos há muito tempo.
Uma ou outra queixita, mais dos menos jovens,
gestos carinhosos dos mais sensíveis, palavras amigas de circunstância,
uma ou outra recordação de tempos idos, um olhar ternurento para o Presépio que
vem dos avós. Ao lado, para os lados da cozinha, atarefados, lá está quem
assumiu os preparativos finais por que todos esperam: mesa posta, pratos
tradicionais, tudo enfeitado por decoração alusiva à festa da Família, com o
Menino-Jesus a contemplar, enternecido, a harmonia familiar. Estou em crer que
chega mesmo a sentar-se à mesa, num dos lugares vazios de há anos a esta parte.
Tudo se conjuga para que o NATAL seja o reflexo do espírito que a
Igreja nos tem ensinado a viver, não apenas nesta quadra, mas durante toda a
vida.
Prato Principal
À volta da mesa, sobre toalha
própria, escolhida há anos para esta noite, a melhor louça da casa e os
talheres para dias de festa. Instintivamente, cada um senta-se no seu lugar. De
vez em quando lá vem uma troca, estrategicamente compreendida por todos. Mas
tudo fica acomodado para a ceia de consoada. Com lugares vazios, é certo, que
se passaram para o lado do coração. E o bacalhau com todos, sempre ótimo como
manda a lei, é ano a ano motivo de comentários, pela qualidade da cura, pela
altura da posta, pela têmpera adequada. Ou não houvesse na família quem perceba
mesmo do assunto. Tantos familiares que desde meninos pescaram bacalhau, enfrentando
os mares gelados que nos dão o melhor fiel amigo.
E vêm à baila outros Natais, e recordam-se feitos e histórias passados, e
fala-se da crise de que se fala. E um ou outro não deixará de frisar que, em
hora de mesa farta, há tantos que estão sem mesa nenhuma. Ao frio da noite, tão
pobres como o Menino-Deus que nasceu há mais de dois mil anos, apenas para nos
ensinar humildade e para nos deixar um mandamento novo: Amai-vos uns aos outros
como Eu vos amei.
Sobremesa
Na hora da sobremesa, bilharacos,
filhós, aletria e arroz-doce, nozes e figos, pão-de-ló e bolo-rei. Um dirá: O bolo-rei, sem fruta
cristalizada, é o melhor doce para os diabéticos. Está a chamar a brasa à sua
sardinha. Mas talvez prove um pouco de tudo, para não ficar triste. Os comentários
sucedem-se, recordando guloseimas de outras épocas, caídas em desuso, que as
modernices, mesmo na culinária, estão em moda. Neste período da festa não falta
quem traga à colação outros hábitos natalícios de outras terras e outras
gentes. Mesmo dentro do nosso país. Não é a Gafanha uma terra de múltiplas
gentes, vindos um pouco de toda a parte?
Um ou outro lembrará o fracasso
de um bolo que não resultou como esperado e que traiu o seu criador. Mas logo
se adianta que outros ultrapassaram o que era normal.
Prendas
Depois vêm as prendas, aguardadas
pelos mais novos. Ou por todos. A crise é grande, mas tradições são mais
fortes. Mais modestas as lembranças? Que importa? São apreciadas na mesma e até
não faltará quem dê mais valor a pequenas coisas, olhando pouco para o que
custou mais dinheiro. A importância está no dar com o coração, com o afeto.
E então, a chefe de família,
atira-nos com esta: bem comidos, apreciadas as prendas, vamos agradecer ao
Menino-Deus, que tudo isto proporcionou. E uma oração, singela como a alma de
quem a sugeriu, uniu toda a família. E o beijar do Menino aconteceu com
carinho. E ainda foram evocados os que, recostados nos nossos corações, também
viveram connosco este Natal. Depois, os mais corajosos, saíram para a Missa do
Galo, onde a comunidade paroquial se faz mais família fraterna.
Fernando Martins
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