Ninguém, por mais insensível que seja, pode ficar indiferente à sua mãe, presente no dia a dia de cada um, olhando os nossos passos, periclitantes no início da nossa existência, ou firmes e resolutos na vida ativa. À mãe devemos tudo: a vida, o falar, os primeiros passos inseguros, os cuidados ao longo da vida, o carinho e a ternura que nos tornam pessoas capazes de amar, a educação para a partilha solidária, a fé que nos ajudou a descobrir, enfim, tudo o que nos faz gente saudável de corpo e alma. E eu muito mais devo à minha saudosa mãe, que o povo tratava por Rosita Facica. Rosita porque era de estatura mediana e Facica por descender de um ramo familiar cujos apelidos, Francisco da Rocha, se propagaram nas Gafanhas. De Francisco surgiu o Facica.
A minha mãe nasceu em 23 de fevereiro de 1910 e faleceu em 15 de maio de 1994. Doente bastantes anos, esteve lúcida até morrer, o que aconteceu durante o almoço no Hospital de Aveiro.
Dela recordo imensos pormenores da sua vida de trabalho em casa a cuidar dos dois filhos que sobreviveram aos cinco que ela teve. Laboriosa, falava do marido e nosso pai ausente no mar, por quem rezávamos todos os dias, e acolhia os sobrinhos que apareciam, alguns com frequência. Tinha por princípio evitar gastar dinheiro ganho pelo pai “sobre as ondas do mar” e ficava feliz quando lhe transmitia esse respeito pelo sacrifício que ele fazia. Para vivermos, utilizava as rendas de umas casas que possuíam, vendia produtos que cultivava e criava, nomeadamente, flores, ovos e outra criação. Durante muito tempo teve criada, a Rosa, e mulheres a dias para o quintal. E assim fomos vivendo “sem vergonhas”, como ela sublinhava.
Depois da morte do meu pai, homem sempre saudável, traído por um enfarte, a minha mãe como que desistiu de viver. Acamada, depois de um tempo em minha casa e na do meu irmão, optou por ficar na sua moradia, no quarto da frente para ver quem passava. Nunca lhe faltaram visitas. Uns tempos ainda fez as suas refeições, mas depois preferiu pagar a uma instituição para lhas levar a casa. Não queria dar trabalho aos filhos. E quando se tornou utente frequente do hospital, passou a dormir em nossa casa.
Neste dia da Mãe, como em todos os momentos da minha existência, evoco com saudade imensa a sua voz, as suas conversas, os seus conselhos. E aqui fica um: Numas férias, tínhamos programado ir para Chaves. A sua doença era impeditiva. Protestou, dizendo que o meu irmão se responsabilizaria por ela. Aleguei, em jeito de desculpas, algumas dificuldades económicas. E ela, perentória, avançou, para me convencer: Faz bem as contas, poupa (a permanente recomendação), programa as despesas diárias essenciais e verás que te vai sobrar dinheiro. E assim aconteceu.
Fernando Martins
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