Há sempre tempo para tudo
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Acompanhei, há dias, uma jovem que foi tratar de um idoso meio abandonado e esquecido pela família e pela comunidade que durante décadas o reconheceu como um dos seus membros.
Prostrado no leito, semiparalítico, mas lúcido, falava com desenvoltura sem lamentar a triste situação. Porém, desde a nossa chegada lhe notei uma vontade férrea de viver e uma ânsia incontida de falar, de trocar impressões.
Enquanto lhe preparavam o lanche e cuidavam da higiene pessoal, a sua boca não se calava, ora recordando acontecimentos passados há muito, ora dando explicações nem sempre pedidas.
Depois, sem pressas, lá ia engolindo as sopas que a jovem, carinhosamente, e sem forçar, lhe ia metendo na boca enquanto entre palavras e sorrisos lhe mostrava um pouco de amor. E chegou a hora da despedida até ao dia seguinte para a repetição nada monótona, afinal, do mesmo ritual. E se nesse dia da Festa de Nossa Senhora da Nazaré era preciso fazer o trabalho um pouco mais depressa porque as colegas estavam à espera, a verdade é que, perante o idoso, tudo foi esquecido e dali saiu mais tarde do que nunca.
— Afinal esqueceste-te da festa, ó Isabel — adiantei.
— Deixe lá, senhor professor, ainda vou a tempo! Pois é, Isabéis. Há sempre tempo para tudo. Até para amar, se quisermos!
Fernando Martins
“Timoneiro”, setembro de 1988
1 comentário:
Exemplar e pedagógico .
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