Quando eu era menino, há quase 70 anos, costumava visitar a ria. Ia muitas vezes sozinho para me deliciar, extasiado, com águas correntes, barcos moliceiros e tainhas a saltar. Olhava para as Portas d’água e apreciava a ponte da Cambeia. Do outro lado, o Jardim Oudinot com a sua barraca de madeira, com mesa e bancos, onde alguns, no Verão, saboreavam merendas, antes de dormir a sesta num qualquer recanto a jeito.
Com frequência olhava o regueirão, também conhecido por Canal de Mira, e apetecia-me caminhar pela margem, à cata nem sei de quê. Mas um dia vi, ao longe, um pescador que me atraiu, pela sua postura. Ali estava, sereno, muito atento, fixado nas linhas que tinha na ria. Na ponta, chumbeiras e anzóis, ligados a estropos. Para o menino que eu era, o pescador era um velhinho bondoso, muito calmo, de poucas falas e de sorriso a emoldurar-lhe o rosto de barba semanal. Quando me olhava, sorridente, eu sentia-me muito próximo dele. Era um amigo. Chamava-se Manuel Bola e tinha muitos filhos.
Aproximei-me, um pouco tímido (nunca fui muito metediço), e nem recordo se o saudei. Sei, isso sim, que o olhei e sorri, em resposta ao seu sorriso. Ali fiquei à espera do peixe que tardava. Depois ele disse:
— Vens aprender a pescar?
— Nunca pesquei… É difícil?
— Não… Mas é preciso paciência… Muita paciência. Aparece quando quiseres.
Ficou calado, atento às linhas que havia lançado à água. Eu continuei a observá-lo e a imaginar-me em situação semelhante.
De regresso a casa, jurei para mim mesmo que havia de ser um pescador da borda-d’água, como aquele velhinho bondoso.
— Mãe, quero ir pescar para o regueirão.
— E tu sabes?
— Aprendo.
Comprei linhas, anzóis e chumbeiras; apanhei alguns berbigões para isco. E lá fui. Instalei-me perto do meu amigo, sem atrapalhar nas suas manobras. Berbigões nos anzóis, atirei sem jeito as linhas para a água. Eram duas. De vez em quando, fazia como ele. As minhas linhas só traziam moliço. As do velhinho traziam alguns robalinhos, tainhas e outros peixes que eu desconhecia.
Admirado, comecei a ficar desanimado. Depois ele ensinou-me a iscar e disse-me que era preciso pegar nas linhas para perceber quando é que o peixe pica. Aí, sublinhava ele, era preciso dar um puxãozinho, para apanhar o peixe. Nem assim consegui pescar. Repeti a experiência. Nada. E deixei de aparecer.
Um certo dia, porém, tive saudades do velhinho sereno e bondoso. E lá fui. Ele olhou-me e sorriu. Depois perguntou:
— Então desististe?
— Como não pescava nada…
— Eu disse-te que era preciso paciência… Muita paciência!
— Pois… — respondi eu. Mas nunca mais fui à pesca.
Fernando Martins
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