Natal - Os sabores da nossa alegria



Logo mais, vamos celebrar a consoada com o nosso Menino Jesus a contemplar quem está sentado à mesa e quem permanece espiritualmente nas nossas memórias, hoje mais frescas do que nunca por força das saudades enormes que o Natal suscita em todos.
Estou a ouvir uma gargalhada bem timbrada do meu pai, quando uma priminha disse que ele estava «“ogadinho” com o cheiro dos ovos» que a minha mãe manuseava para os bilharacos e rabanadas. E as gargalhadas prosseguiam durante a noite santa em épocas sem televisão nem rádios. O tradicional bacalhau com todos, bem regado com azeite comprado clandestinamente (tempos de guerra), sempre com olho atento na doçaria que ao lado esperava a sua vez. Eram, verdadeiramente, os sabores da nossa alegria. E a noite prosseguia até a mãe dizer, na sua candura que perdura no meu ser, que era preciso dormir para não perturbar o trabalho do Menino Jesus na sua santíssima tarefa carregada de amor, com a missão de tornar felizes todos os meninos do mundo, com as aguardadas prendinhas. São tantos, dizia a minha mãe, que as prendas não poderiam ser muito caras. Era este um recado mágico pela certeza de que o Menino Jesus entraria sorrateiramente pela chaminé, sem se sujar. Milagre, admiti uma vez. Mais tarde, porém, lá vinha a verdade de que afinal o Menino apenas dava saúde aos nossos pais para poderem trabalhar e comprar as prendinhas da consoada. 
Os tempos são realmente outros. E já adulto ouvi tantos criticarem estas estórias das prendas do Deus Menino... que era um erro enganar as crianças... que se devia dizer a verdade... etc... etc. Esquecem-se os críticos de que as crianças, todas as crianças do planeta e de todas as eras, precisam do mágico, do maravilhoso, de fadas e de heróis que despertam nelas a capacidade de sonhar! E quem isto pregava passou a aceitar o Pai Natal que um publicitário inteligente soube incutir no povo para se vender mais. O negócio tentou fechar a sete chaves o nosso Menino Jesus, mas Ele continua no coração de muitas famílias. Eu sei que há pais natais que levam nos sacos prendas e palavras, simpatias e emoções. Contudo, eu continuarei com o nosso Menino Jesus que ocupa um lugar muito terno no meu coração. 
Para nosso consolo, a ceia de consoada marca indelevelmente os hábitos da grande maioria das famílias, com o mesmo espírito dos nossos tempos da infância, espírito que queremos legar aos que nos perpetuam no tempo e no mundo. 

Fernando Martins 

Budismo - A busca da serenidade plena



Margarida Cardoso, da União Budista Portuguesa, esteve no CUFC (Centro Universitário Fé e Cultura), na quarta-feira [3 de abril de 2006], à noite, para falar sobre Budismo. Com uma sala cheia, presidiu à “conversa” Alexandre Cruz, director daquele centro, que salientou a premência de todas as religiões e filosofias se unirem para a defesa de uma ética universal. Moderou António Martins, docente da Universidade de Aveiro, que sublinhou a importância de conhecermos outras formas de pensar, para convivermos com os outros, sendo mais tolerantes.
O primeiro desafio para se perceber o Budismo partiu de um convite, original entre nós, lançado pela palestrante: “Sentados comodamente, mãos sobre os joelhos, olhos fechados; vamos sentir o ar a entrar e a sair pelas narinas; vamos ouvir o barulho da sala… e agora o silêncio; deixemos entrar os pensamentos…”. Isto, porque o Budismo é essencialmente uma filosofia de vida, uma prática enriquecida por experiências de meditação, um estado de consciência límpido, luminoso, de compaixão e de sabedoria, frisou Margarida Cardoso.
A convidada do CUFC recordou que Buda, meio milénio antes de Cristo, abandonou os prazeres para procurar a iluminação, que só será conseguida através da atenção que prestarmos a “grandes verdades”, as quais nos conduzem à libertação interior absoluta. Disse que o sofrimento tem origem no desejo, que a eliminação do desejo leva ao fim do sofrimento, e que, quando atingirmos esta fase, ao longo de uma caminhada de intenções, acções, recolhimento e concentração puros, alcançaremos o nirvana, ausência total da dor, meta perseguida pelos budistas.
Questionada sobre o dia-a-dia, entre os ocidentais, da vivência budista, Margarida Cardoso referiu que todos têm “vidas normais, com casa, família e trabalho”. Reúnem-se para meditar, para se tornarem “mais conscientes do momento presente”, tendo sempre em conta a busca das “boas relações com as pessoas”, o interesse por tudo quanto os rodeia, segundo uma ética assente na positiva. “Não basta não roubar; temos de ser generosos”, adiantou. “Os budistas ultrapassam com mais facilidade as situações de stresse, porque aprendem a relaxar nos encontros de meditação, também conhecidos por yoga”, disse.
Sobre a vida para além da morte, Margarida Cardoso afirmou que defendem o renascimento, que definiu como “ciclos de existência sem fim”. Referiu que, quando nós morremos, “se é que morremos”, o que vai permanecer são “marcas, fluxos de energia e de consciência, que são a nossa continuidade, o nosso renascimento”. Não aceitam Deus, nem qualquer ente criador, “porque o grande arquitecto é a mente humana”, sublinhou. Mas também não são dogmáticos, até porque há imensos mestres e escolas budistas que têm, como matriz comum, tão-só a procura da perfeição, que conduzirá à iluminação, ao nirvana, que é, afinal, a serenidade plena.

Fernando Martins

Publicado no Correio do Vouga em 3 de abril de 2006

Sugestões de férias para os meus amigos



Quem nasceu e vive com o som do mar a embalar o seu adormecer, e sente, ao acordar, as ondas a espraiarem-se nas dunas, não pode deixar de sonhar, também, com a silhueta dos picos da serra, que ao longe nos desafia. A primeira vez que fui à serra, e à medida que me aproximava dela, os meus olhos de menino pouco viajado ficaram deslumbrados. Senti um não sei quê na alma, um prazer inexplicável que ainda hoje, tantos anos depois, é um mistério no meu espírito. À serra vou sempre que posso e às vezes até juro a mim mesmo que um dia por lá hei de ficar uns tempos largos, para calcorrear montes e vales, entre vegetação luxuriante ou entre penedos com formas estranhas de figuras fantásticas que enriquecem o imaginário de qualquer um.
Há dias fui ao Caramulo à procura desses ares límpidos, alimentados, e de que maneira, pelo verde que tudo enche, ao som de regatos que deslizam do cimo dos montes, por entre pedregulhos que amplificam o cantar da água saltitante que apetece beber a toda a hora. E quando a sede aperta, como apertou depois de um almoço de vitela assada que só por ali tem um sabor como em nenhuma outra parte, então foi um regalo beber uns bons copos de água de fonte natural, recebida em bilha de barro vermelho que a tornou mais fresca.
Campo de Besteiros, São Tiago de Besteiros, Guardão, Janardo, Pedronhe e Cabeço da Neve foram alguns recantos da Serra do Caramulo que uma vez mais pude contemplar em dia partilhado com amigos que não esconderam o sortilégio que estas terras transmitem a todos os que chegam. Ruas e estradas amplas ao lado de ruelas empedradas que lembram tempos ancestrais, histórias de lutas travadas entre íncolas serranos e povos invasores, casario a cair de podre porque gente teve de emigrar, habitações com sinais de quem regressou à terra depois de muito trabalhar e de lutar na estranja, sanatórios abandonados porque os tuberculosos já se curam em casa, sem a ajuda dos ares puros da serra, de tudo um pouco se foi fixando na retina dos meus olhos, que nunca se cansaram de apreciar  miradouros naturais a paisagem a perder de vista.
Para os contemplativos, a Serra do Caramulo é uma bênção de Deus. Ali, longe dos habituais horizontes, sinto que a beleza não adulterada pelo mau gosto, em muitíssimos recantos, oferece a quem a visita a imagem do divino, que o céu contempla e abençoa com nuvens que batizam aspergindo tudo e todos.
A voz do silêncio que tantas vezes se fez ouvir, aqui e ali perturbada pela cantilena da água que descia apressada do cimo dos montes, à cata de gente que a saboreasse, ainda mais me convidava a cultivar a necessidade de voltar. O que farei sempre que puder, para encher os pulmões de ares puros e os pensamentos do aconchego do bem e do belo.
Proponho, ainda, a leitura de um livro, “Os poemas da minha vida”, de Marcelo Rebelo de Sousa. A edição é do “Público” e custa uns simples 6 euros. É-me sempre agradável apreciar a escolha de poemas feita seja por quem for. Como que sinto a sensibilidade e a alma de quem opta por este autor, por este ou por aquele poema.
Marcelo Rebelo de Sousa diz, no texto introdutório, que se decidiu por escolher poemas e poetas portugueses contemporâneos, do seu tempo. “Do tempo que vivi e vivo”, referiu.
Logo depois admite que terá ficado uma seleção “dececionante” do seu “tão significativo passado”, passado esse que nunca esquece. Ainda assim, diz que escolheu “o presente e o futuro”, na linha do seu “modo de ser”.
Por esta seleção de Marcelo passam poetas de Língua Portuguesa dos anos 50, 60, 70, 80 e 90, até hoje, que também proporcionam ao leitor, que gosta de poesia, momentos de encantamento.
O meu voto é que nas férias [de Natal ou noutras] que se avizinham muitos aproveitem para cultivar o espírito, na certeza de que o corpo também lucrará.
Proponho, ainda, um disco da minha conterrânea e amiga Jacinta: Tributo a Bessie Smith, com edição de Blue Note e aposta da TSF. Se não falarmos dos nossos valores, quem o poderá fazer? E não é a Jacinta a primeira artista portuguesa de jazz a ser editada pela Blue Note? Dela sublinha, José Duarte, a dicção, a força interpretativa e a sensibilidade. E a propósito de algumas interpretações de Jacinta, refere que é preciso ouvir, dar a ouvir e popularizar esta obra de arte.

Fernando Martins

Nota: Publicado no Correio do Vouga em 3 de abril de 2006

O Ângelo Ribau também nasceu neste dia em 1937



Há tempos, perguntaram-me o que é que mais me marcou quando estive doente e acamado durante a minha juventude. Respondi, sem hesitar, que, durante esse período da minha vida, fiquei a saber quem eram os meus grandes amigos, mas também quem eram os falsos amigos. Os falsos amigos procurei esquecê-los; os grandes amigos têm lugar muito especial nas minhas memórias e no meu coração. 
Hoje, vou referir-me ao Ângelo Ribau Teixeira, porque nasceu no dia 17 de novembro de 1937 e porque me visitava todos os dias, Deixou-nos, prematuramente, em 11 de agosto de 2012. Digo prematuramente porque, numa lógica natural, poderia, como eu, estar no mundo terreno a saborear a vida, falando, lendo e escrevendo, concordando com o que eu publicava, mas também discordando com aquela franqueza que o caracterizava, sem papas na língua, o que me obrigava, por vezes, a reconstruir o meu pensamento a propósito de certos temas.
O Ângelo foi desde muito cedo um apaixonado pela música, como os demais irmãos, mas também pela fotografia, o que o levou a procurar conhecer até ao pormenor a evolução da arte de fotografar e de revelar o negativo, seguindo de muito de perto as técnicas usadas por Niépce e Daguerre, nos meados do século XIX. E com que arte e paixão utilizava os produtos químicos, o vidro e nem sei que mais para finalizar na impressão em papel. Na guerra colonial, não dispensou o equipamento portátil para fotografar e revelar as suas fotografias. E ainda escreveu “Retalhos das memórias de um ex-combatente” e o “Marnoto Gafanhão”. 
O meu saudoso amigo facilitou-me, durante a doença, o acesso à biblioteca do avô materno e dos tios, Diamantino Ribau e Josué Ribau, o primeiro padre e o segundo professor da matemática, cujos livros “devorei”, que pouco mais podia fazer. Mas ele também por ali ficava, à beira da cama, lendo, lendo e conversando sobre tudo e mais alguma coisa, fechando a conversa, inúmeras vezes!, com uma gargalhada que ainda estou a ouvir.

Fernando Martins

Dona Luz Facica – 17 de novembro




Durante muitos anos, neste dia, 17 de novembro, tive registado na minha agenda um telefonema a fazer. A Dona Luz Facica, de seu nome Maria da Luz Rocha, celebrava o seu aniversário. Cumprido o ritual, com as saudações habituais, era certo e sabido que, uma semana depois, seria ela a telefonar-me com votos semelhantes, normalmente enriquecidos com expressões que despertassem em mim a importância e a necessidade de mais me aproximar de Jesus Cristo e da sua mensagem de Boa Nova para todo o universo.
A Dona Luz já faleceu e estará decerto no seio maternal de Deus, tranquilamente, revivendo e apreciando, em espírito, o fruto da sementeira de bem, de justiça e de caridade que espalhou na terra, em favor dos feridos da vida pelas injustiças dos homens. 
Recordo-a na sua simplicidade, no dom de se dar sem limites, na ternura contagiante com que lidava com todos, na coragem com que enfrentava os problemas dos que a rodeavam e dos que, de perto ou de longe, padeciam agruras e suportavam a custo a marginalização e a exclusão, quantas vezes das suas próprias famílias. 
Para ela, aqui lhe ofereço uma flor do meu jardim, com eterna saudade.

Fernando Martins

Orlando Padinha e a antiga igreja da Gafanha do Carmo

Orlando e esposa Rosa Maria 

Igreja anterior à atual

Orlando junto à maqueta da igreja antiga

Há tempo, visitei o meu parente e amigo Orlando Padinha e sua esposa Rosa Maria, durante a sua estada entre nós para umas férias merecidas e desejadas na sua terra-mãe. Como era de esperar das gentes das Gafanha, beneficiei de uma receção fraterna, marcada pela alegria do encontro que já não acontecia há anos. E a conversa prolongou-se sem muita pressa, apesar de eu ter compromissos inadiáveis horas depois. Evocámos os seus irmãos (Carlos, José Manuel e Conceição) e demais familiares, recordámos cenas do passado, sobretudo quando nossas mães, que eram primas direitas, se encontravam, ora na Gafanha da Nazaré ora na Gafanha do Carmo, e ainda falámos das nossas vidas e canseiras. Depois, foi a visita ao Cesário Apolinário, também parente e autêntico especialista em questões genealógicas que soube e aceitou partilhar comigo à volta do tronco comum. Mesmo acamado, espero que temporariamente, li no seu rosto a alegria de viver e o sentido profundo da descoberta dos nossos ancestrais. 
Em casa do Orlando e da Rosa Maria, apreciei o gosto pela decoração a partir de objetos de uso comum, há décadas, tudo ornamentado com fotos ampliadas dos que amam e os amaram. mas permitam-me que distinga o seu prazer pelos trabalhos manuais, em que é exímio, utilizando um manancial completo de máquinas e ferramentas, de causar inveja a muitas oficinas de serralharia e marcenaria. E não se ficando por aí, veio à baila a igreja paroquial, moderna e adaptada aos tempos litúrgicos da época em que foi construída, para substituir o velhinho templo que foi destruído para dar lugar ao atual. 
Durante a conversa, registei que a igrejinha continuava no seu coração... e com que ternura e saudade dela me falou! Vai daí, foi-me dada a oportunidade de dar de caras com uma miniatura em fase de construção, precisamente a igreja destruída, que ele deseja concluir, em maqueta, à escala, para a manter bem junto de si e dos seus. Tenho para mim que os emigrantes, longe da sua terra natal, carregam sempre consigo algo que lhes dê razões da sua existência, física e espiritual, porque eles, como todos nós, não são de pedra, têm sentimentos, emoções e memórias que se mantêm vivas, quiçá de forma mais expressiva, tornando-os mais apegados às suas matrizes. 
Um abraço para o parente e amigo Orlando Padinha e sua esposa Rosa Maria. 

Fernando Martins

NOTA: Segundo o Padre Rezende (Monografia da Gafanha), na Gafanha dos Caseiros, mais tarde Gafanha do Carmo, foi construída uma primeira capela, cuja data não conseguiu precisar, «mas que deve aproximar-se do ano de 1830 a 1840». Foi destruída e, em 1910, foi edificada outra de maiores dimensões, «a uns 450 metros mais ao poente e com orientação oposta à primitiva». Depois, veio a igreja atual, cuja história é conhecida, celebrando-se hoje, 17 de novembro, a sua inauguração e bênção.

FM

Evocando o nascimento do nosso filho Pedro




O nosso filho Pedro, de seu nome completo António Pedro Oliveira Martins, completa hoje, 17 de outubro, a bonita idade de 50 anos. Tal como o nosso primeiro filho, o Fernando, o Pedro nasceu no Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro, eram 5 horas. Madrugada alta. Foi uma noite sem sono e sem tempo para dormir, que a ansiedade era intensa. A Lita sofreu com o seu nascimento, mas a alegria de mais um filho, o segundo, tudo fez esquecer. No seu primeiro dia de vida, fora do aconchego com que a mãe o brindou durante nove meses, não chorou muito. Preferiu dormir tranquilamente, hábito que mantém ainda hoje.
Recordo que, nesse dia, já noite, fomos levar um amigo, o João, à estação de Aveiro. A Lita ia ao meu lado no Citroen 2CV. Na velha estrada que ligava a Gafanha a Aveiro, ela percebeu que haviam rebentado as águas, sinal de que o menino (ou menina) bateu à porta para vir ao mundo. Apontei o carro para o hospital. A Lita entrou e foi imediatamente atendida pelas enfermeiras, que me garantiram que o parto ainda demoraria algum tempo. Então, ela recomendou-me que fosse a casa buscar a mala já preparada com tudo o que era recomendável para a situação. Levei o João à estação e dei um pulo a casa para pegar na mala. E voltei para o hospital.
Escusado será dizer que andava feliz e muito nervoso. Naquele tempo, não havia ecografias, nem outros exames que garantissem o género dos bebés no ventre materno. A incógnita era decifrada no momento exato do nascimento.
Naquela época, os professores não tinham ADSE nem outro sistema de saúde ou de segurança social que custeasse as despesas hospitalares, fossem elas quais fossem. Nos filhos seguintes, João Paulo e Aida Isabel, já a ADSE estava ativa. Ainda bem.
Nesse período de espera e nascimento daquele que seria o Pedro (omito o António porque ninguém o trata pelo seu primeiro nome), o Fernando foi para Pardilhó, onde ficou aos cuidados das tias Zulmira e Aida, que dele trataram com todo o carinho.
Com o segundo filho, as despesas familiares aumentaram significativamente, pelo que recorremos a quem nos ajudasse. E a vida continuou. Posteriormente, vieram mais dois filhos: o João Paulo e a Aida Isabel. E então a família ficou completa. Com quatro filhos para criar, todos com saúde e cada um com seu feitio, mas também com gostos diversos, tivemos de recorrer a empregadas, uma das quais interna.
O Pedro é  cioso do seu espaço, do seu trabalho como advogado e apaixonado pelo Sporting, imitando o pai, mas superando-o. Chegou a jogar futebol no Beira-Mar, ao ponto de ter participado num torneio, na Bélgica. Gosta imenso de ler, de apreciar filmes de qualidade, de ouvir boa música e de viajar. E até toca viola. Quando está bem-disposto, fala com calor, tal como quando defende os seus ideais políticos, na defesa da democracia e da justiça social. Outra característica que aprecio nele, como nos demais filhos, é a frontalidade com que se bate pelo que considera certo, justo e humano.
Viver os aniversários em família, porventura sem grandes festas, mas sempre atentos aos dias exatos das suas celebrações, está-nos no sangue e na alma. Sempre entendemos que as festas pessoais contribuem para unir a família. E os pais, mesmo protestando com o trabalho que os cansa pelo peso dos anos, vibram, naturalmente, com a alegria gerada por quem possui o seu ADN, onde o amor é a mola-real da vida. E não são os filhos e netos a garantia da nossa eternidade neste mundo?
Parabéns, Pedro. Aqui vão os nossos votos de que saibas continuar a construir o teu futuro, em espírito solidário, apoiado nos princípios de quem te proporcionou um lugar na sociedade que todos desejamos cada vez mais fraterna.

Lita e Fernando

Estaleiros Mónica





Os Estaleiros Mónica fazem parte indelével da história da Gafanha da Nazaré. Estabeleceram-se aqui, porém, antes da criação da freguesia, e há 60 anos comemoraram 70 anos de existência. Disso dá conta uma velha edição, cuja capa apresento aqui. Dentro há diversas mensagens, mas permitam-me que destaque a do então Bispo de Aveiro, o primeiro da restaurada Diocese de Aveiro, pela poesia muito típica do saudoso prelado aveirense.

Nota: Destaquei da foto original o texto para se ler melhor.

Recordações — Amizades para a vida

Há quantos anos?
Ao longo da vida criamos muitas amizades, algumas das quais crescem com o tempo, apesar das distâncias que nos separam uns dos outros. Uma dessas amizades, das tais que se consolidam com o decorrer dos anos, nasceu há décadas com uma família de Chaves, que viveu perto de nós, na Gafanha da Nazaré. Refiro-me aos meus amigos Nazaré e António Fernandes e aos seus filhos, Pedro, José Carlos e Vítor. Depois, o grupo alargou-se às noras e aos netos, Erika e Paula, Mariana, Alexandra, Rita e Francisco. 
Quando o encontro, programado ou ocasional, acontece, experimentamos, naturalmente, uma renovada alegria. Este ano nada fazia prever o reencontro com a família flaviense. Não seria fácil uma estada no Algarve para gozo de férias naquela altura do mês de agosto, diziam-me. Mas eu, que acredito ou penso que acredito no sexto sentido, tinha cá um palpite de que tudo seria possível. 
Um fim de tarde, quando deambulava pelo aldeamento, reparei que na casa dos nossos amigos havia janelas entreabertas, como sinal de gente amiga à vista. Os amigos Nazaré e António, ao simples toque da campainha, surgiram na minha frente, para o abraço fraterno. Tinham acabado de chegar e estavam a arrumar as malas. Julgo que, ao saberem que estávamos por ali, não resistiram e quiseram fazer-nos uma surpresa. Que agradável surpresa, de pessoas que tanto estimamos! 
Para pôr a conversa em dia, com recordações e mais recordações, com preocupações e anseios, com alegrias e projetos, de tudo um pouco se falou durante os dias em que estiveram no Algarve. Mas o que mais me apetece sublinhar é a forma amiga, mais que fraterna, como partilhamos sentimentos e emoções, vivências passadas e sonhos ainda por realizar. Com esta família partilhámos, ao longo das nossas vidas, algumas férias. Foram estes amigos que um dia, já um pouco longínquo, nos convidaram para conhecer Chaves, e nos entusiasmaram pelo conhecimento de Trás-os-Montes. 
Com eles calcorreámos vilas e aldeias daquela região, saboreámos os melhores petiscos (pastéis, bola e folar de Chaves), com destaque para o presunto que nos esperava, fresquinho, na cave de sua casa, e que comíamos com o pão de centeio, tão famoso por aquelas bandas. 
No frigorífico havia um vinho não muito forte, que temperava o presunto comido às lasquinhas. Foi com eles que aprendi a gostar da feijoada transmontana e do leitão à moda da terra, dum cozido mais completo do que o tradicional à portuguesa. E fico-me por aqui, com a certeza de que muito haveria a dizer. 
Com eles conheci monumentos, li e reli história e tradições de Chaves, dei um salto até Espanha, ainda no tempo do contrabando consentido, provei em Boticas o vinho dos mortos e assisti em Montalegre à “chega dos bois”, de que hei de falar um dia destes se encontrar as fotografias que na altura registei. Subi montes e vales para apreciar castros e conhecer aldeias típicas. E, ainda, como experiência rara, para a época, trocámos as nossas casas para viver as férias com mais comodidade. 
Afinal, as amizades são assim, quando desinteressadamente as cultivamos e as enriquecemos em horas boas e menos boas. 

Fernando Martins

Texto escrito em agosto de 2008

Nota: O nosso amigo António Fernandes faleceu em 20 de novembro de 2011.

Para memória futura: Castelo de Montemor-o-Velho


Visitei há dias [2007] o Castelo de Montemor-o-Velho, que se me ofereceu em muito bom estado de conservação. Já lá não ia há muitos anos, embora o visse de longe, muitas vezes, a desafiar-me. O Castelo de Montemor-o-Velho é a maior fortificação do Mondego e uma das maiores do País, tendo desempenhado um importante papel nas lutas pela conquista do território aos mouros. 
Num dia destas férias de Verão em que lá estive, na semana passada, dia de calor abrasador que convidava à procura das sombras das muralhas, encontrei bastantes turistas que, tal como eu, liam com interessa as legendas explicativas dos cantos e recantos do castelo, todas elas cheias de ricas lições de história. 
As partes mais antigas são as duas fortes torres junto à porta de Nossa Senhora do Rosário, do século XIII, e a base da Torre de Menagem, talvez da Alta Idade Média. Mas há mais motivos de cuidada atenção: Ruínas do Paço das Infantas, cuja construção se atribui a D. Urraca, séculos XI e XII; Porta da Peste; Castelejo; Torre do Relógio; e Igreja de Santa Maria de Alcáçova, fundada em 1090, tendo sofrido reformas nos séculos XII e XIII. 
Foi neste Castelo de Montemor-o-Velho que, em 6 de janeiro de 1355, D. Afonso IV, reunido com os seus ministros e conselheiros (Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Lopes Pacheco), ordenou a morte de D. Inês de Castro, amante do Infante D. Pedro, futuro rei D. Pedro I, o Justiceiro. 
A vila de Montemor remonta à Idade do Bronze e teve ocupação romana, visigótica e, até ao século XI, esteve, durante largos períodos, sob domínio árabe. Nessa época chamava-se “Munt Malhur”. Depois, os cristãos passaram a tratá-la por Monte Maior e no tempo de D. Sancho I, o Povoador, acrescentaram a esse nome O Velho, porque uma nova vila, com o mesmo nome, Montemor-o-Novo, tinha sido conquistada aos mouros no Alentejo. 
A Igreja de Santa Maria de Alcáçova, do século XI, sofreu constantes obras, onde estão bem visíveis os Estilos de cada época. No primeiro quartel do século XVI, no entanto, foi reedificada em definitivo, embora haja elementos dos séculos seguintes. O Estilo dominante é o Manuelino. 
Os retábulos frontais, em talha dourada, merecem uma atenção especial, pela beleza da sua estatuária e pelo recorte das decorações. 
Em tempo de férias, ou fora delas, vale sempre a pena uma visita com tempo ao castelo de Montemor-o-Velho. Há quem me diga que estas coisas do nosso passado histórico só interessam aos mais velhos. Quem assim pensa está redondamente enganado. Vi por lá muitos idosos, é verdade, mas também apreciei muitos jovens que tudo filmavam e fotografavam, como que a quererem registar na memória os vestígios da matriz da nossa identidade pátria.

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Logo à entrada, num recanto de arbustos em jeito de quem protege algo importante, encontrei e li um texto poético de Afonso Duarte, natural de Montemor e professor em Coimbra. Aqui fica, até porque nos lembra outras figuras histórias daquela terra: 

Onde nasceu o Fernão Mendes Pinto?
Jorge de Montemor onde nasceu?
A mesma terra o mesmo céu que eu pinto
Castelo Velho o que foi deles é meu.

Afonso Duarte 
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NOTA:

1. Fernão Mendes Pinto é natural de Montemor-o-Velho, tendo sido um famoso aventureiro e explorador. Viveu no século XVI e chegou ao Japão. No regresso, escreveu a Peregrinação, obra em que relata as suas venturas e desventuras. 

2. Jorge de Montemor, escritor e músico, também de Montemor, viveu no século XVI e foi contemporâneo de Camões. Foi cantor e músico na corte castelhana, tendo servido, ainda, como soldado, o rei de Castela.

Fernando Martins 

Agosto de 2007 

Postais Ilustrados - Aveiro - 85

 Aveiro nos princípios do Sec. XVIII - Painel de azulejos existente na Estação dos Caminhos de Ferro - Fábrica da Fonte Nova - 1916 (Licíni...