sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Memórias da "Praia do Farol"(2)

Vi muita gente feliz com lágrimas 

A tantas entradas deste navio assisti...
Na hora de esperar (foto recente do meu arquivo)
Das memórias que retenho da Praia do Farol, as mais emotivas estão ligadas à entrada dos navios de regresso dos bancos da Terra Nova e da Gronelândia, carregados de bacalhau salgado e acamado no porão. Dizia-se que a salga, com o balançar do barco por força das ondas alterosas, estava na base de um fiel amigo mais saboroso. Mas disso pouco sei.
O meu pai foi bacalhoeiro desde que tomei conhecimento do mundo que me cerca, mais concretamente a partir dos meus cinco anos. Evoco a sua partida  para a viagem, com a minha mãe lacrimosa, e nós, eu e o meu saudoso irmão, calados, a olhar para o pai e para a mãe, sem termos palavras para dizer, mas com a tristeza contagiosa deles. O meu pai abraçava-nos e beijava-nos, calado, com lágrimas furtivas, e lá ia. Depois, ficávamos com a alegria da esperança de que num dia qualquer haveria de voltar para junto de nós.
Quando, pelas notícias, se sentia ou percebia que o regresso da faina estava próximo, não disfarçávamos a alegria. E na hora própria, corríamos para a boca da barra com a mãe e tantos outros familiares, olhando sempre o navio que esperava a maré. E nunca mais apontava a proa para o farol… A seguir, vagarosa mas firmemente, aproxima-se da meia-laranja com os pilotos da barra a indicar, ao que julgo, o trajeto mais seguro, que o canal era traiçoeiro com os assoreamentos frequentes. E com a aproximação do navio, tudo se agitava, todos acenavam com lenços ou bonés, alguns até queriam fazer-se ouvir pelos pescadores e demais tripulantes, gritando os seus nomes.
Seguia-se a correria, a pé, de bicicleta ou de carro, quando tal era possível, para o cais de desembarque, na Cale da Vila ou Chave, Gafanha da Nazaré. Os familiares de longe vinham de táxi. Vi muita gente feliz com lágrimas, no dizer do escritor João de Melo.

Flores e saudades pelos nossos fiéis defuntos


Na quarta-feira, a Lita foi a Pardilhó, sua terra natal, para cumprir a devoção de celebrar os seus familiares que ali dormem o sono sem fim. Crente que é, não podia deixar de rezar por eles e de com eles conversar sobre tantas vivências em comum. Ainda hoje, quando evocamos recordações que jamais nos abandonam, toda a família sabe imitar e repetir palavras e atitudes de bem que nos perpetuam no tempo presente e para além dele, como  o amor das tias que educaram a Lita. 
O Dia de Todos os Santos, que se liga indelevelmente ao Dia dos Fiéis Defuntos, está gravado nos nossos corações desde crianças. Pessoalmente, fui interiorizando o culto dos nossos familiares e amigos que já adormeceram no regaço de Deus, desde a infância, levado pela mão por  minha saudosa e querida mãe. 

Há anos, em Pardilhó, com naturais e descendentes residentes em muitos lados, sobretudo em Lisboa e à sua volta, chegou a celebrar-se o Dia dos Fiéis Defuntos, 2 de novembro, no domingo seguinte, para que os migrantes pudessem deslocar-se à sua terra de origem, atraídos pelas memórias de quantos repousam no cemitério pardilhoense. 
O culto católico, com flores e velas a traduzirem amor e saudade, aconchegava toda a gente. Mas sinto que os tempos são outros e que as novas gerações já não conseguem seguir esta tradição carregada de fé e simbolismo. 

Hoje, por razões de saúde, não pude ir ao cemitério da Gafanha da Nazaré, mas vivi em espírito os mesmos sentimentos e os mesmos rituais dos que lá se concentraram em oração. As  flores, levadas pela Lita, traduziram a nossa saudade pelos que já fisicamente nos deixaram. Com elas, lá ficaram as nossas orações pelas almas de tantos que amámos e continuaremos a amar até ao fim dos nossos dias terrenos. 

Fernando Martins

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Memórias da “Praia do Farol” (1)



Recordo com a nitidez possível e a verdade da minha memória a primeira vez que vi o Farol e o então Lugar do Farol, antes de me habituar ao topónimo atual de Praia da Barra. Foi antes do final da II Guerra Mundial (1939-1945). Teria eu, que nasci em 1938, uns seis anitos ou pouco mais. 
Com a minha mãe lá fomos a pé encomendar pão a uma padaria que existia ao lado do Farol e à mercearia e pensão do Senhor Mourinho. O racionamento imposto por Salazar, em consequência da neutralidade estabelecida pelo governo, levava a que as famílias procurassem abastecer-se de alguns bens onde fosse possível. Recordo a escassez de açúcar, azeite e outros produtos alimentares. 
Fiquei extasiado quando olhei para o Farol, tão alto era ele, coisa nunca vista por mim, pouco viajado, cujos horizontes me limitavam ao adro da igreja e à mata da Gafanha, onde minha mãe ia lavar a roupa, por tão límpida ser a água de um poço aberto em qualquer altura, nos areais, junto aos pinheiros. Eram zonas dunares, iguais às que ficavam perto do mar. 
E se o Farol me deixou extasiado, imagine-se como terei ficado ao olhar para a imensidão do mar. Olhava… olhava nem sei à procura de quê, e só via água, espumas e ondas que amansavam quando se estendiam no areal, como que a descansar depois de longa viagem. E regressei a casa com desejos de voltar. 
Penso que foi a partir dessa visita que me habituei a ver a luz que segundos a segundos nos alertava para a existência do Farol. Terei ficado a saber que a luz servia para avisar os navegadores de que ali havia terra e barra de entrada de navios. E a ronca que me acompanhou em tantas noites sem sono e em madrugadas brumosas.

Fernando Martins

sábado, 28 de julho de 2018

Penacova e as suas paisagens

Penacova - paisagem do cimo da serra 
Penacova, rio e paisagem


Em Penacova acampámos umas férias de verão. Já lá vão muitos anos. Tempos que deixaram marcas indeléveis, com os quatro filhos a chapinhar na água do rio tépida, límpida e desafiante, como sempre gostei. Era fácil viajar assim, sem grandes despesas e com liberdade à solta, sem temores nem perigos. Depois, a descoberta da região com as suas paisagens deslumbrantes e convidativas. Lá do alto, no fim de uma subida íngreme, saboreámos o que as palavras não conseguem dizer. E em 23 de fevereiro de 2005 fizemos questão de voltar para recordar, eu e a Lita, apenas, Os filhos já tinham, como têm, as suas opções, os seus programas e os seus gostos.

terça-feira, 24 de julho de 2018

Recordações: Bento XVI em Lisboa

Bento XVI com gente da cultura:
É preciso manter desperta a busca da verdade


Foi com grande emoção, contida com esforço, que ouvi hoje (12 de maio de 2010), ao vivo, o Santo Padre Bento XVI, no principal auditório do Centro Cultural de Belém (CCB).
Um silêncio profundo encheu a sala antes da entrada do Papa, e quando «o homem vestido de branco» assomou ao pano de fundo do palco, os aplausos explodiram de alegria.
Não era o filósofo apresentado nos mais recentes debates e escritos nem o teólogo proclamado ainda antes de se sentar na cadeira de Pedro. Não era o alemão frio e tímido que toca piano e se debruça sobre os clássicos. Não era o Papa fechado sobre si mesmo e que come à mesa sozinho. Não era o homem carismático continuamente comparado com o seu predecessor João Paulo II. Quem chegou afinal?
Chegou ao CCB o sucessor de Pedro, o que traiu o Mestre, mas a quem Jesus recomendou que nos confirmasse na fé; chegou o continuador da cadeia apostólica, que carrega aos ombros as certezas e dúvidas das comunidades católicas em caminhada de busca e de aprendizagem da vivência da compaixão e do perdão; chegou o pastor universal com a missão de guiar todos os homens e mulheres de boa vontade rumo a uma sociedade mais fraterna.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Sobre o Amor

 Fábrica das Ideias, antigo Centro Cultural da Gafanha da Nazaré

Eu gosto do amor e gosto de amar. E também gosto de ser amado. O amor é uma expressão do sublime. Não o canto porque estou longe de ser poeta. Há muito que amar e muitas formas de amar. Há imensa gente a amar e outra tanta à espera de ser amada. Há amor para todos os gostos e a falta dele causa desgostos. Há amor conjugal, filial, fraternal, paternal, maternal, e por aí fora, até ao fim do mundo. Há amor entre jovens e entre velhos. Entre homens e mulheres e até pelos animais. Pelos pobres e pelos infelizes, pelos felizes e pelos que procuram a felicidade. Há o amor a Deus e o amor de Deus. Mas este é do tamanho do Universo. 
Há muito tempo passei pelo Centro Cultural da Gafanha da Nazaré, hoje Fábrica das Ideias, e trouxe comigo esta marca indelével de quem ama. Se calhar, está a sofrer por amor. Não sei quem escreveu “Amo-te”. Será rapaz ou rapariga, homem ou mulher? Será correspondido ou não? Talvez este gesto corresponda a um desabafo. Pode ser uma atitude de esperança. Ou um grito de mágoa?

Fernando Martins

sábado, 21 de julho de 2018

Férias em Pardilhó

Monumento ao emigrante
Largo Central
A Lita na sua terra, em visita com data imprecisa 

Em férias, onde quer que estejamos, lembramos sempre outras férias onde fomos felizes. Ainda bem, porque recordar é viver. Em Pardilhó, fomos felizes todas as férias de verão. Lá viviam as tias Zulmira e Aida, ambas solteiras e "mães" da Lita, que nutria por elas um amor carregado de ternura. Até devoção. Outra tia, a Lurdes, também "mãe", vivia em Aveiro e a Pardilhó voltava com frequência. Num ambiente de dedicação plena, partilhávamos fraternidade em tudo o que fazíamos e planeávamos. Saídas à praia da Torreira, em cuja mata passávamos horas em piqueniques previamente organizados com todo o rigor, onde nada faltava para miúdos e crescidos. 
A visita à praia, para molhar os pés, não podia fugir ao esquema. Mais para andar pelo areal e arredores do que para mergulhar nas águas normalmente frias. Não havia muito o gosto pelo mergulho nem sequer apetência pelo bronzeado. Acho que nos bastava o moreno natural da nossa pele. Havia na praia a merenda também preparada antecipadamente. Os nossos filhos, naturalmente pequenos, deliravam com o carinho dispensado pelas tias. O amor que lhes tinham era notório. 

Quando da Gafanha da Nazaré nos deslocávamos a Pardilhó, em qualquer altura do ano, a alegria deles expressava-se em crescendo evidente. Cantavam, exteriorizando o prazer que adivinhavam na hora do encontro. Certo e sabido. Nas férias de Pardilhó a saúde de todos era normal. Comia- se de tudo e nada fazia mal. Era uma alegria. Depois não faltava o encontro com outros familiares e amigos e os bancos do largo central, junto à igreja de S. Pedro, eram cúmplices de conversas infindas. Como sala de visitas da freguesia, o largo, constituído por dois espaços distintos, proporcionava o reencontro com pessoas que não se viam há muito. Nessas férias, anos e anos repetidas, havia passeios obrigatórios à Ribeira da Aldeia, com canal da ria cheio de moliceiros, bateiras e mercantéis, estaleiros à vista com carpinteiros e decoradores em ação, moliço que salta dos barcos para os carros de vacas, garotos que nadam na laguna, emigrantes que chegam e olham nostálgicos tempos que não voltam. Um ou outro pescador regressa da faina, enquanto alguns partem indagando dos melhores pesqueiros. Um serralheiro com graça e sentido comercial afixou, numa janela de sua casa, uma publicidade curiosa: "Fisgas que ensinam a pescar." Destinavam-se elas à pesca clandestina de solhas e linguados. 
Recordo ainda o pão fresco da padaria do Álvaro, de sabor único. Pão de forma normal e de coroa, este o mais apetecido. Nunca lhe conheci o segredo, mas que era excelente, lá isso era. Pardilhó era uma terra de muita migração. A falta de trabalho obrigou bastantes pardilhoenses a fixarem-se em Lisboa. A Lita, por exemplo, tinha na capital seis tios com suas famílias. Porém, nas férias, muitos vinham à terra natal para matar saudades, resolver problemas familiares e conviver com os amigos. Agosto era, sem dúvida, um mês de festa, com movimento desusado. E toda a minha família gostava das férias nesta altura do ano. 

Fernando Martins

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