Quando eu era menino, há quase 70 anos, costumava visitar a ria. Ia muitas vezes sozinho para me deliciar, extasiado, com águas correntes, barcos moliceiros e tainhas a saltar. Olhava para as Portas d’água e apreciava a ponte da Cambeia. Do outro lado, o Jardim Oudinot com a sua barraca de madeira, com mesa e bancos, onde alguns, no Verão, saboreavam merendas, antes de dormir a sesta num qualquer recanto a jeito.
Com frequência olhava o regueirão, também conhecido por Canal de Mira, e apetecia-me caminhar pela margem, à cata nem sei de quê. Mas um dia vi, ao longe, um pescador que me atraiu, pela sua postura. Ali estava, sereno, muito atento, fixado nas linhas que tinha na ria. Na ponta, chumbeiras e anzóis, ligados a estropos. Para o menino que eu era, o pescador era um velhinho bondoso, muito calmo, de poucas falas e de sorriso a emoldurar-lhe o rosto de barba semanal. Quando me olhava, sorridente, eu sentia-me muito próximo dele. Era um amigo. Chamava-se Manuel Bola e tinha muitos filhos.
Aproximei-me, um pouco tímido (nunca fui muito metediço), e nem recordo se o saudei. Sei, isso sim, que o olhei e sorri, em resposta ao seu sorriso. Ali fiquei à espera do peixe que tardava. Depois ele disse: