Penacova e as suas paisagens

Penacova - paisagem do cimo da serra 
Penacova, rio e paisagem


Em Penacova acampámos umas férias de verão. Já lá vão muitos anos. Tempos que deixaram marcas indeléveis, com os quatro filhos a chapinhar na água do rio tépida, límpida e desafiante, como sempre gostei. Era fácil viajar assim, sem grandes despesas e com liberdade à solta, sem temores nem perigos. Depois, a descoberta da região com as suas paisagens deslumbrantes e convidativas. Lá do alto, no fim de uma subida íngreme, saboreámos o que as palavras não conseguem dizer. E em 23 de fevereiro de 2005 fizemos questão de voltar para recordar, eu e a Lita, apenas, Os filhos já tinham, como têm, as suas opções, os seus programas e os seus gostos.

Recordações: Bento XVI em Lisboa

Bento XVI com gente da cultura:
É preciso manter desperta a busca da verdade


Foi com grande emoção, contida com esforço, que ouvi hoje (12 de maio de 2010), ao vivo, o Santo Padre Bento XVI, no principal auditório do Centro Cultural de Belém (CCB).
Um silêncio profundo encheu a sala antes da entrada do Papa, e quando «o homem vestido de branco» assomou ao pano de fundo do palco, os aplausos explodiram de alegria.
Não era o filósofo apresentado nos mais recentes debates e escritos nem o teólogo proclamado ainda antes de se sentar na cadeira de Pedro. Não era o alemão frio e tímido que toca piano e se debruça sobre os clássicos. Não era o Papa fechado sobre si mesmo e que come à mesa sozinho. Não era o homem carismático continuamente comparado com o seu predecessor João Paulo II. Quem chegou afinal?
Chegou ao CCB o sucessor de Pedro, o que traiu o Mestre, mas a quem Jesus recomendou que nos confirmasse na fé; chegou o continuador da cadeia apostólica, que carrega aos ombros as certezas e dúvidas das comunidades católicas em caminhada de busca e de aprendizagem da vivência da compaixão e do perdão; chegou o pastor universal com a missão de guiar todos os homens e mulheres de boa vontade rumo a uma sociedade mais fraterna.

Sobre o Amor

 Fábrica das Ideias, antigo Centro Cultural da Gafanha da Nazaré

Eu gosto do amor e gosto de amar. E também gosto de ser amado. O amor é uma expressão do sublime. Não o canto porque estou longe de ser poeta. Há muito que amar e muitas formas de amar. Há imensa gente a amar e outra tanta à espera de ser amada. Há amor para todos os gostos e a falta dele causa desgostos. Há amor conjugal, filial, fraternal, paternal, maternal, e por aí fora, até ao fim do mundo. Há amor entre jovens e entre velhos. Entre homens e mulheres e até pelos animais. Pelos pobres e pelos infelizes, pelos felizes e pelos que procuram a felicidade. Há o amor a Deus e o amor de Deus. Mas este é do tamanho do Universo. 
Há muito tempo passei pelo Centro Cultural da Gafanha da Nazaré, hoje Fábrica das Ideias, e trouxe comigo esta marca indelével de quem ama. Se calhar, está a sofrer por amor. Não sei quem escreveu “Amo-te”. Será rapaz ou rapariga, homem ou mulher? Será correspondido ou não? Talvez este gesto corresponda a um desabafo. Pode ser uma atitude de esperança. Ou um grito de mágoa?

Fernando Martins

Férias em Pardilhó

Monumento ao emigrante
Largo Central
A Lita na sua terra, em visita com data imprecisa 

Em férias, onde quer que estejamos, lembramos sempre outras férias onde fomos felizes. Ainda bem, porque recordar é viver. Em Pardilhó, fomos felizes todas as férias de verão. Lá viviam as tias Zulmira e Aida, ambas solteiras e "mães" da Lita, que nutria por elas um amor carregado de ternura. Até devoção. Outra tia, a Lurdes, também "mãe", vivia em Aveiro e a Pardilhó voltava com frequência. Num ambiente de dedicação plena, partilhávamos fraternidade em tudo o que fazíamos e planeávamos. Saídas à praia da Torreira, em cuja mata passávamos horas em piqueniques previamente organizados com todo o rigor, onde nada faltava para miúdos e crescidos. 
A visita à praia, para molhar os pés, não podia fugir ao esquema. Mais para andar pelo areal e arredores do que para mergulhar nas águas normalmente frias. Não havia muito o gosto pelo mergulho nem sequer apetência pelo bronzeado. Acho que nos bastava o moreno natural da nossa pele. Havia na praia a merenda também preparada antecipadamente. Os nossos filhos, naturalmente pequenos, deliravam com o carinho dispensado pelas tias. O amor que lhes tinham era notório. 

Quando da Gafanha da Nazaré nos deslocávamos a Pardilhó, em qualquer altura do ano, a alegria deles expressava-se em crescendo evidente. Cantavam, exteriorizando o prazer que adivinhavam na hora do encontro. Certo e sabido. Nas férias de Pardilhó a saúde de todos era normal. Comia- se de tudo e nada fazia mal. Era uma alegria. Depois não faltava o encontro com outros familiares e amigos e os bancos do largo central, junto à igreja de S. Pedro, eram cúmplices de conversas infindas. Como sala de visitas da freguesia, o largo, constituído por dois espaços distintos, proporcionava o reencontro com pessoas que não se viam há muito. Nessas férias, anos e anos repetidas, havia passeios obrigatórios à Ribeira da Aldeia, com canal da ria cheio de moliceiros, bateiras e mercantéis, estaleiros à vista com carpinteiros e decoradores em ação, moliço que salta dos barcos para os carros de vacas, garotos que nadam na laguna, emigrantes que chegam e olham nostálgicos tempos que não voltam. Um ou outro pescador regressa da faina, enquanto alguns partem indagando dos melhores pesqueiros. Um serralheiro com graça e sentido comercial afixou, numa janela de sua casa, uma publicidade curiosa: "Fisgas que ensinam a pescar." Destinavam-se elas à pesca clandestina de solhas e linguados. 
Recordo ainda o pão fresco da padaria do Álvaro, de sabor único. Pão de forma normal e de coroa, este o mais apetecido. Nunca lhe conheci o segredo, mas que era excelente, lá isso era. Pardilhó era uma terra de muita migração. A falta de trabalho obrigou bastantes pardilhoenses a fixarem-se em Lisboa. A Lita, por exemplo, tinha na capital seis tios com suas famílias. Porém, nas férias, muitos vinham à terra natal para matar saudades, resolver problemas familiares e conviver com os amigos. Agosto era, sem dúvida, um mês de festa, com movimento desusado. E toda a minha família gostava das férias nesta altura do ano. 

Fernando Martins

Os nossos sonhos

Para não cair no esquecimento 
19 de agosto de 2016



Não falta, no seio da família, e não só, quem pressinta os nossos gostos, as nossas alegrias e até os nossos sonhos. E a partir desses pressentimentos, quando se age em conformidade, somos levados a reviver alegrias e vivências que, de alguma forma, nos dão imenso prazer.
O Algarve está muito no meu espírito, razão por que, quando calha a talho de foice, sou levado a sonhar voltar lá para umas férias reconfortantes, que me libertem de compromissos e rotinas. Enquanto estive na Figueira da Foz, a minha filha Aidinha e família rumaram às soalheiras praias e paisagens algarvias, de onde regressaram hoje. Acordado da sesta, a nossa Aidinha atirou-me: 


— Papá, queres ir à praia do Barril?
— A das âncoras, onde passei algumas férias tão agradáveis? — Atirei eu.
— Então prepara-te.
— Agora mesmo?
— Exato! — Garantiu-me ela.

Pegou num lenço comprido, vendou-me os olhos e começou a tirar-me as meias. De repente, senti os meus pés mergulhados em areia quentinha… depois água tépida deu-me uma sensação de alívio, qual exercício terapêutico. Tudo tão reconfortante… 
Pôs-me uma concha nas mãos e afiançou-me que estava na Praia do Barril. (A concha foi uma prenda, que muito me agradou.) 
A alegria à volta desta brincadeira a que aderi com gosto brotou espontaneamente. E a minha memória conduziu-me, como tantas vezes, até àquela praia do Algarve, de temperaturas e ambientes tão acolhedores. 

Fernando Martins

O Douro na alma de quem o visita






“Nenhum outro caudal nosso corre em leito mais duro, encontra obstáculos mais encarniçados, peleja mais arduamente em todo o caminho…
Beleza não falta em qualquer tempo, porque onde haja uma vela de barco e uma escadaria de Olimpo ela existe.”

Miguel Torga, in “Portugal”


Há anos,  subi o Douro com olhos bem abertos à contemplação das belezas de que tanto tenho ouvido falar. E lido, em autores que cantam o rio que cortou cerce o seu leito, deixando marcas de feridas que os séculos fizeram secar. As chagas sararam, mas as crostas ressequidas lá estão, oferecendo a quem as aprecia a dureza da corrida desenfreada das águas soltas e apressadas com vontade de descansarem no oceano.
E se a beleza da paisagem é indiscutível, ao modo de nos obrigar a voltar, a paisagem bonita das velas dos barcos, de que fala Miguel Torga, já se foi com a voracidade do progresso. Os rabelos há muito que perderam o privilégio de temperar e refinar o Vinho Fino nas bolandas da descida da Régua até Gaia. Aqui recebeu o baptismo de Vinho do Porto, numa clara manobra de marketing, bem engendrada há séculos, que tais técnicas não são exclusivas dos nossos tempos.
O dia nasceu enevoado, com humidade cortante, junto à foz do Douro, assim chamado pela cor amarelada das lamas barrentas que as fortes correntes arrastavam dos montes e montanhas que guardam o rio e o tingiam. Mas nem por isso proibia os olhares dos que gostam da novidade.
Mais tarde, o sol furou as nuvens que nos vieram saudar. E então, o deslumbramento caiu sobre o “Infanta”, um barco que oferecia tranquilidade a quem viajava, pela serenidade com que enfrentava as águas doces que buscavam o casamento, apressado, com as águas salgadas do mar.
O verde da paisagem entrava-nos na alma, vindo de todos os cantos. Do arvoredo que não acusava falta de rega e do rio que o reflectia, como sinfonia de acordes que nos emoldurava o espírito em dia de mais nada que fazer.
Aqui e ali, casas semeadas pela encosta, ruas serpenteantes que as uniam, solares com capelinhas que abençoavam as vinhas, fonte que ainda não secou, dando "petróleo" tinto e branco àquele povo. Mais pontes que ligavam gentes e terras do alto e do baixo Douro, pás de moinhos de vento, não para a farinha, mas tão-só para as novas energias arrancadas do cimo das montanhas que o deus Éolo, com a sua brutalidade, de quando em vez nos oferece.
O que mais encanta o viajante, contudo, como marca indelével, são as escadarias de pomares e vinhas, quais altares ao deus-natureza, fonte de subsistência de povos que teimosamente procuraram adaptar-se a circunstâncias adversas. Hoje, talvez poucos tivessem a coragem de ficar agarrados à terra-mãe, com tal tenacidade e paixão, a não ser que encontrassem pelo caminho outra Antónia Ferreira, a Ferreirinha, com artes de convencimento e de estímulo.
O Douro, rio e região, fica sempre na alma de quem o visita e o observa de perto, admirando a obra de Deus e de homens e mulheres determinados, que nos deixaram como herança a ter em conta a força e a importância do trabalho.

Fernando Martins

NOTA: Editado em 11  de setembro de 2008

Tempos que não voltam



Não sendo um nostálgico, aprecio fotografias de outros tempos. Tempos que não voltam, mas que me levam a recordar pessoas, paisagens, ambientes e formas de estar na vida. Disse que não sou nostálgico porque estou de bem com a vida que me é dado usufruir na meta final da minha existência, que só Deus saberá quando e em que circunstâncias será. 
Nesta fotografia está a Lita e três dos nossos filhos: Fernando, Pedro e Paulo, melhor dizendo, Fernando Manuel, António Pedro e João Paulo. A mais nova, a Aida Isabel, estaria em casa a nanar com uma empregada a olhar por ela, se é que já tinha nascido. E lá fomos ver a ria, com as Portas d’Água à vista. Não seria tempo de calor porque a roupa não o denuncia. 
Os passeios por longe, com filhos pequenos, não eram fáceis, mas aos domingos sempre se saía para umas voltinhas e para visitar a família pardilhoense, nomeadamente, as tias Zulmira e Aidinha. 
Desta paisagem, pouco ou nada resta. O Porto de Aveiro ocupou quase tudo em nome do progresso e da economia regional e nacional. Ficou como compensação o Jardim Oudinot, hoje considerado uma zona de lazer muito badalada, sobretudo na época do verão. E quando lá forem, procurem apreciar um bocadinho das Portas d’Água. 
Bom domingo.

Egas Moniz na estação do Porto

  Quando vou ao Porto, a capital do Norte, lembro-me com frequência dos painéis que decoram a sala de entrada da Estação Ferroviária. Nunca ...