Outros tempos — Boas recordações de férias


Sem muito sol e com aragem a propor abrigo, não faltaram hoje no parque que habitualmente atravesso famílias em piqueniques. O aconchego do arvoredo e as mantas estendidas convidaram quem estava, e muitos eram, a saborear os farnéis que de longe vislumbrei. E pela forma como eram degustados, sem pressas e sem complexos, posso garantir que estavam apetitosos. Depois, seguiu-se a soneca dos mais pesados e a bola dos mais miúdos. Tanto bastou para eu recuar uns bons 40 anos, quando, com a família, bem unida e concordante, fazia o mesmo, quer na mata da Torreira e S. Jacinto, quer entre a Costa Nova e a Vagueira. Não era pela poupança, embora fosse compreensível ter em conta essa vertente. Bons tempos.
Preparado o farnel, à medida das idades e dos apetites, preparada a trouxa do indispensável, que as comodidades exigiam, tudo arrumado no carro, sem espaço para mais nada, lá seguíamos na procura do lugar ideal, onde não incomodássemos nem fôssemos incomodados, que de vizinhos desconhecidos nunca se sabe o que pode surgir.
Com o cheirinho do mar e da ria, de mistura com o aroma dos pinheiros e arbustos, o que se comia, salgados, doces e frutas, sabia a banquete de festa, que nos obrigava, não raramente, a marcar novo piquenique, ainda no Verão, sem frio nem chuva que incomodassem. E anos e anos foram passando, com a família a registar na memória momentos que perduram.
Depois da barriguinha composta, os mais velhos, com avós e tias que sabiam estórias vividas e repetidas vezes sem conta, nunca negaram a soneca. Os mais novos, esses não dispensavam a bola, mesmo quando mal podiam com ela.
Nunca faltaram ocasiões cheias de sonhos e de felicidade sentida e esperada, para o futuro que aí vinha apressado. "Agora, os mais novos ainda brincam com olhos atentos ao que faziam e como faziam; daqui a uns anitos como será?", era questão que me deixava calado...
Os anos passaram e os interesses multiplicaram-se. A vida trouxe novos hábitos e a idade reclamou comodidades, até aí sem peso para se imporem.
As formigas e os mosquitos provocaram alergias, as mantas não eram acolchoadas e o chão nada tinha de mesa que se visse, para além dos tachos, pratos e talheres. Os piqueniques tiveram o seu fim quase por completo. Mas a saudade desses tempos, repletos de alegria, ainda me assalta, como boa recordação que não quero perder.

Fernando Martins

Evocando o Dr. Ribau falecido quase há 10 anos

Dr. Maximiano Ribau
Confesso que às vezes me comovo (Será da idade?) com mensagens que recebo e palavras amigas que me honram. Hoje, depois de um tempo de descanso, abri o computador e leio de imediato  uma mensagem que me havia sido dirigida pouco tempo antes, referente a um texto que publiquei sobre o Dr. Ribau, falecido em 22 de Dezembro de 2008. Quem a assinou foi Filipa R. Nunes. Diz assim:

«Ao fim de tantos anos encontro algo tão bonito como essas palavras que foram proferidas, acerca de um Homem que me orgulho e tive o prazer de lidar. Esta pessoa magnifica que foi e o seus feitos incontáveis. Salvou não uma vida, mas muitas e foram estes os gestos que o denominavam, que o caracterizavam. Já passaram quase 10 anos após esse acontecimento, mas hoje como  desejaria estar ao seu lado a ouvi-lo mais uma vez a contar as suas histórias, pois na altura não dei a atenção devida e agora sobram os seus manuscritos e a honra de ter feito parte da história e da vida deste Homem!!!! Obrigada a si, pelas palavras que tão bem me souberem enquanto as lia, recordei, sonhei e chorei.

Filipa R. Nunes 

(14 - 05 - 2017, 17h21)

E o que escrevi?

Faleceu o Dr. Ribau 

O sol brilhante e acariciador convidou-me esta manhã para um passeio pela nossa Av. José Estêvão. Meia dúzia de passos andados, dei de chofre com a notícia do falecimento do Dr. Maximiano Ribau, com a provecta idade de 96 anos. Licenciado em medicina pela Universidade do Porto, em 1940, desde essa data começou a exercer clínica na sua terra Natal, Gafanha da Nazaré. 
O Dr. Ribau foi médico de inúmeras famílias e pessoas desta sua terra durante décadas. E em épocas de parcos haveres, para muitos, sempre atendeu os pacientes, sem preocupações de receber os honorários que lhe eram devidos. Tratava-os, ao domicílio ou no consultório, e depois se via… 
Foi meu médico durante muito tempo, sobretudo durante uma grave doença pulmonar que me afectou, fatal para muitos nessa altura. Recordo bem a forma persistente com que me assistia, como me levava a especialistas para não haver dúvidas sobre o tratamento a seguir, como ralhava comigo quando não tomava alguns remédios intragáveis. E ainda recordo a sua alegria (e a minha) quando me deu por curado. Mas acrescentou, então sem perigo de me provocar qualquer angústia, que escapei por milagre. 
Sempre lhe fiquei grato por isso. O Dr. Ribau ainda se envolveu nos assuntos da terra, chegando a criar a Cooperativa Humanitária, fruto de um sonho seu, que nunca chegou a atingir os objectivos que se propunha, por várias razões. 
O Dr. Ribau, que hoje [22 de dezembro de 2008] nos deixou, perdurará na memória de muitos gafanhões como médico competente, interessado pelos seus doentes e amigo da sua terra e das suas gentes. 
O seu funeral será amanhã [23 de dezembro de 2008], pelas 15.30 horas, com missa de corpo presente, na igreja matriz da Gafanha da Nazaré. 
Paz à sua alma. 

Fernando Martins

Recordando o Padre Abraão

Livraria Santa Joana
Apesar do tempo que passou, guardo lembranças de alguns encontros que tive com o Padre Abraão da Costa Lopes, oriundo da Arquidiocese de Braga e responsável pela Livraria Santa Joana durante alguns anos. E dessas lembranças ocorre-me salientar a simplicidade do seu viver e das suas relações com os frequentadores da livraria, não deixando passar a oportunidade de sugerir, delicadamente, esta ou aquela obra acabada de chegar. Dele, pois, recebi e aproveitei algumas propostas de compra.
O Padre Abraão, vocação tardia, com passagem pela Obra da Rua, também foi, tanto quanto sei, empregado de uma livraria. Daí, porventura, o prazer que ele sentia no ambiente livreiro. 
Porém, há outras facetas porventura pouco conhecidas do seu gosto pelos livros. Um dia entrei na livraria e ele convidou-me para ir ao seu gabinete. Sentei-me a seu convite e mostrou-me, com um sorriso largo a iluminar o seu rosto um pouco seco, um livro antigo com edição especial. Bonito e bem cuidado, o livro nem era de autor conhecido. Folheando-o, foi-me explicando a razão por que o havia comprado para seu regalo. Deu-me a entender que possuía mais obras raras… 
Um dia, numa reunião em Fátima, aberta a diretores e colaboradores dos órgãos de comunicação das dioceses, o diretor de um jornal de Coimbra anunciou, no decorrer da conversa, que a Lusa Atenas já possuía uma livraria destinada a publicações religiosas, nomeadamente teológicas, eclesiais e de espiritualidade, entre outros temas. E frisou: «Agora, quando precisamos de livros desta natureza, já não necessitamos de ir a Aveiro ou a Fátima para as adquirir.» E quando contei a história ao Padre Abraão, ele sorriu, silenciosamente, mas satisfeito.

Fernando Martins

Recordando a prima Rosa Salsa


No dia 18 de abril de 2010, registei o falecimento da minha prima Rosa Salsa, uma prima muito amiga que jamais esquecerei. Quando hoje me lembrei dela, o que acontece com frequência, fui à procura do que há anos havia escrito. Partilho com os meus leitores atuais o que então me ocorreu escrever. E faço-o com a certeza de que cumpro o dever de manter viva a memória da sua bondade e da sua amizade. 

ooo

Há momentos difíceis na vida. A partida de alguém muito querido é sempre um motivo de grande dor. E quando esse alguém é uma pessoa que nos marcou na vida, pela sua bondade pura e generosidade sem limites, então a dor é muito maior.
A minha prima Rosa Salsa era uma amiga muito próxima, apesar da diferença de idades, e ocupava um lugar especial no meu coração. Confidente que me ouvia e aconselhava nas horas mais difíceis e comigo ria nas horas de felicidade.
Mulher de fé profunda oferecia a quem a ouvia palavras de esperança alicerçadas na Boa Nova de Jesus Cristo. A sua vida era uma oração fervorosa e permanente, convicta de que com ela dava um precioso contributo para um mundo melhor.
Tentou ser freira, mas acabou por desistir. Porém, manteve permanentemente o espírito de doação aos outros, que acompanhava com um sorriso que os seus amigos, que eram quantos com ela conviviam, jamais esquecerão.
A minha prima Rosa Salsa escrevia com muita sensibilidade. As cartas que nos remetia deixavam transparecer uma grande alma. Uma alma de afectos e de bem.
Um amigo comum disse-me um dia que as cartas que a Rosa enviava a sua esposa, eram sofregamente lidas por ele, mesmo antes da destinatária. Traziam qualquer coisa de simples e belo, garantiu-me.
A minha prima gostava muito de ler quando era mais nova. E quando chegava a qualquer palavra que desconhecia apressava-se a escrevê-la num caderno, para depois consultar um dicionário, que não possuía. E quando fez um exame, a sua redacção foi copiada pelos membros do júri, tão bonito estava o seu escrito.
A Rosa Salsa está no seio de Deus, gozando a felicidade tão desejada pela sua fé. Por isso, a tristeza que a sua partida sem regresso suscita em nós tem de ser estímulo para sermos dignos da fé e da bondade que ela nos legou.

Fernando Martins

Fui buscar aqui

Tenho fome de conhecer o mundo

Algarve

Caramulo

Chaves

Piódão

Quando leio, vejo ou oiço descrições de viagens pelo mundo, bem contadas, sou invadido pela tristeza e pela certeza da minha dificuldade em ir confirmar, in loco, as belezas retratadas. Há pessoas com sorte na vida. Nesse aspeto, embora tenha passado por alguns países da Europa, nunca pude fixar-me em qualquer deles, uns simples dias, para visitar as memórias das grandes cidades. E em Portugal, que conheço um pouco, ainda estou longe de apreciar, com a profundidade que frequentemente sonho, muitos dos seus recantos.
Não sei porquê, mas a história e a vida dos grandes burgos, como a pacatez das pequenas povoações, sempre me atraíram. Gosto de me confrontar com hábitos diversos, de apreciar marcas do passado, de ver e ler os feitos dos íncolas, de contemplar as paisagens que nos oferecem cores, formas e cheiros variegados. Gosto de experimentar ares frescos e calores que aquecem realmente, gosto de contemplar gentes no seu casario tradicional, de calcorrear ruas sinuosas e rios cantantes, gosto de ouvir o linguajar do povo e de apreciar serranias e planuras, gosto de me quedar e de olhar horizontes numa qualquer esplanada, mesmo com barulho em redor. Mas como sou vivo, graças a Deus, pode ser que um dia destes consiga deambular por aí, nem que seja por aqui à volta, para saciar um pouco esta fome de conhecer o nosso mundo.

Fernando Martins

Nota: Escrito em 30 de maio de 2008

Momentos: Instabilidade


Em 1 de agosto de 2010 passei por este local, em Vouzela, com pedras em posição instável. Era só aparência, que as pedras não caíram ali por artes mágicas, antes foram postas de forma garantidamente segura. Mas crianças e adultos que passavam olharam espantados para a aparente instabilidade. 
A vida por vezes oferece-nos situações destas. Parece que tudo corre bem e, de repente, ficamos periclitantes, cai que não cai. Hoje, ao receber o convite telefónico para o almoço de antigos alunos da EICA (Escola Industrial e Comercial de Aveiro) fiquei surpreendido com a morte inesperada de amigos. Da minha idade… está bem de ver. Outros já nem atenderam a chamada. A vida é mesmo assim. Os meus pêsames às suas famílias.
Bom domingo para todos os meus antigos colegas e amigos.

Fernando Martins

Mas logo o sol brilhou



Na sala de espera do Instituto Português de Oncologia está sempre patente o rosto do País doente. E se não faltam expressões de dor, também nos confrontamos sempre com sinais de esperança.
Hoje [28 de abril de 2008] estive em Coimbra como acompanhante de um familiar, para consulta de rotina. Nada de grave, é certo, mas é bom cultivar a prevenção. E ali, na sala de espera cheia de pacientes e acompanhantes, os meus olhos saltitaram de rosto para rosto, na ânsia de perscrutar o que ia na alma de cada um. Uns denotavam tranquilidade, outros refletiam angústias, outros acreditavam na cura, outros fixavam os seus olhares num horizonte muito longe dali. Falta de cabelo disfarçada com lenço garrido em forma de chapéu que mãos hábeis souberam aconchegar, rostos macilentos, ternura em casais mais jovens e menos jovens, solidão de quem está só e que chega com bombeiro a ajudar. Todos os dias é isto.
Mas hoje ainda reparei nos voluntários que dão a sua alegria aos pacientes. Uns que acompanham os doentes às salas das consultas ou dos tratamentos, atentos e carinhosos; um que chega para anunciar, com ar de brincalhão, que todos podem dirigir-se ao átrio para tomar chá, café ou leite, “com umas bolachinhas”, tudo de graça, porque é oferta da Liga Portuguesa Contra o Cancro; outro que nos pergunta, solícito, se estamos com alguma dificuldade; outro, ainda, que anuncia que o São Pedro nos pregou uma partida: “andou-nos a dizer que tinha chegado o Verão e, afinal, está a chover.”
Que não senhor — responde um doente: “Ainda agora vim de lá de fora e estava bom tempo.” “Olhe que não, olhe que não” — responde o voluntário. E lança o desafio: “vá ali à janela e já vê.” E alguns foram. Eu também. Estava mesmo a chover. Mas logo o Sol brilhou.

Fernando Martins

Egas Moniz na estação do Porto

  Quando vou ao Porto, a capital do Norte, lembro-me com frequência dos painéis que decoram a sala de entrada da Estação Ferroviária. Nunca ...