Para memória futura: Castelo de Montemor-o-Velho


Visitei há dias [2007] o Castelo de Montemor-o-Velho, que se me ofereceu em muito bom estado de conservação. Já lá não ia há muitos anos, embora o visse de longe, muitas vezes, a desafiar-me. O Castelo de Montemor-o-Velho é a maior fortificação do Mondego e uma das maiores do País, tendo desempenhado um importante papel nas lutas pela conquista do território aos mouros. 
Num dia destas férias de Verão em que lá estive, na semana passada, dia de calor abrasador que convidava à procura das sombras das muralhas, encontrei bastantes turistas que, tal como eu, liam com interessa as legendas explicativas dos cantos e recantos do castelo, todas elas cheias de ricas lições de história. 
As partes mais antigas são as duas fortes torres junto à porta de Nossa Senhora do Rosário, do século XIII, e a base da Torre de Menagem, talvez da Alta Idade Média. Mas há mais motivos de cuidada atenção: Ruínas do Paço das Infantas, cuja construção se atribui a D. Urraca, séculos XI e XII; Porta da Peste; Castelejo; Torre do Relógio; e Igreja de Santa Maria de Alcáçova, fundada em 1090, tendo sofrido reformas nos séculos XII e XIII. 
Foi neste Castelo de Montemor-o-Velho que, em 6 de janeiro de 1355, D. Afonso IV, reunido com os seus ministros e conselheiros (Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Lopes Pacheco), ordenou a morte de D. Inês de Castro, amante do Infante D. Pedro, futuro rei D. Pedro I, o Justiceiro. 
A vila de Montemor remonta à Idade do Bronze e teve ocupação romana, visigótica e, até ao século XI, esteve, durante largos períodos, sob domínio árabe. Nessa época chamava-se “Munt Malhur”. Depois, os cristãos passaram a tratá-la por Monte Maior e no tempo de D. Sancho I, o Povoador, acrescentaram a esse nome O Velho, porque uma nova vila, com o mesmo nome, Montemor-o-Novo, tinha sido conquistada aos mouros no Alentejo. 
A Igreja de Santa Maria de Alcáçova, do século XI, sofreu constantes obras, onde estão bem visíveis os Estilos de cada época. No primeiro quartel do século XVI, no entanto, foi reedificada em definitivo, embora haja elementos dos séculos seguintes. O Estilo dominante é o Manuelino. 
Os retábulos frontais, em talha dourada, merecem uma atenção especial, pela beleza da sua estatuária e pelo recorte das decorações. 
Em tempo de férias, ou fora delas, vale sempre a pena uma visita com tempo ao castelo de Montemor-o-Velho. Há quem me diga que estas coisas do nosso passado histórico só interessam aos mais velhos. Quem assim pensa está redondamente enganado. Vi por lá muitos idosos, é verdade, mas também apreciei muitos jovens que tudo filmavam e fotografavam, como que a quererem registar na memória os vestígios da matriz da nossa identidade pátria.

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Logo à entrada, num recanto de arbustos em jeito de quem protege algo importante, encontrei e li um texto poético de Afonso Duarte, natural de Montemor e professor em Coimbra. Aqui fica, até porque nos lembra outras figuras histórias daquela terra: 

Onde nasceu o Fernão Mendes Pinto?
Jorge de Montemor onde nasceu?
A mesma terra o mesmo céu que eu pinto
Castelo Velho o que foi deles é meu.

Afonso Duarte 
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NOTA:

1. Fernão Mendes Pinto é natural de Montemor-o-Velho, tendo sido um famoso aventureiro e explorador. Viveu no século XVI e chegou ao Japão. No regresso, escreveu a Peregrinação, obra em que relata as suas venturas e desventuras. 

2. Jorge de Montemor, escritor e músico, também de Montemor, viveu no século XVI e foi contemporâneo de Camões. Foi cantor e músico na corte castelhana, tendo servido, ainda, como soldado, o rei de Castela.

Fernando Martins 

Agosto de 2007 

A nossa Tita

Lita com Tótti e Tita, à frente
Estar no quintal, em dias de sol ou de chuva, é um dos prazeres que cultivo, como quem cultiva uma flor para desabrochar na Primavera. Olhar as árvores na hibernação, ver as plantas que nascem sem que alguém as tenha semeado, cheirar o verde ora viçoso ora mortiço da vegetação espontânea, experimentar o prazer de deitar a semente à terra e de ver as novidades, mais tarde, ferirem a crosta areenta e estrumada, tudo isto me encanta.
Numa dessas tardes em que a contemplação me deixava voar ao sabor da maré que os ventos envolviam, a Tita surgiu apressada, como quem deseja chegar o mais depressa possível à meta que o seu instinto alimenta desde que nasceu. Passa por mim ostentando uma alegria inusitada e corre, corre, sem aparente explicação. Depois cheira tudo, em busca não sei de quê. Dou comigo a pensar que isso já nasceu com ela. Chama o companheiro Tótti, grita mesmo por ele, em jeito de quem quer alguém com quem possa partilhar a alegria de uma liberdade conquistada. Tótti dá-lhe o gosto e corre também, mas a Tita, logo depois, volta ao seu prazer de procurar.
Todos os dias faz isso sem desânimo. Investiga os recantos, escava no chão e tenta arrastar velhos troncos carcomidos pelo tempo. Não há pedra, por mais pesada que seja, que lhe resista. Cheira, com faro apurado, toupeiras e ratos do campo, sobressalta-se quando vê passar, à cata de sementes ou de um pingo de água, a passarada. Aqui perde a cabeça e agita-se. Ora se desloca rastejando por debaixo das árvores, ora se lança em louca correria na ânsia de apanhar uma rola mais pachorrenta, uma pomba mais distraída, um melro com cara de esperto.
Não é por fome que a Tita se entretém assim todas as tardes no meu quintal. Come bem às refeições, e fora delas, e não mostra, por isso, carências alimentares. É o instinto de caçadora que a obriga a fugir da monotonia de um ser normal. O instinto que herdou dos seus progenitores e que a natureza vai alimentando. Tudo o que mexe a faz olhar atenta. E a maioria das vezes não descansa enquanto não faz seu o que a provocou.
Quando vejo a Tita no seu labor diário, em liberdade feliz não muito comum, fico a pensar na sua história de vida, já com alguns anos bem registados na minha memória e partilhados por toda a família.
A Tita é a rainha de que todos se lembram durante o dia. Condiciona cada um às suas exigências, aos seus desejos, à sua vontade de brincar, de correr sem mostrar cansaço, de buscar algo nem sempre fácil de adivinhar. Espera, pacientemente, a chegada a casa de todos e a todos desafia, com saber e arte, para uma brincadeira qualquer. Sem enfado, como quem tem no âmago uma mola carregada de vitalidade. Mas na hora da sesta, se pressente que tudo à sua volta pára, então estende-se ao comprido no sofá grande e dorme tranquilamente. Lá para o fim da tarde, a vivacidade reaparece até à exaustão.
Quando alguém sai de casa fica triste. E quando é a sua mais-que-tudo que se ausenta, não resiste e chora. Grita mesmo ao portão que a separa da rua. E ali fica, triste e acabrunhada, com o desgosto de se sentir só ou de perder a razão de ser da sua felicidade. À chegada da sua amiga querida, volta a alegria e nada a faz parar. Atira-se a ela, tenta falar-lhe, dá pequenos soluços como quem deseja saber a causa da demora. Uns afagos, umas palavras amigas, uma corridinha e tudo volta à normalidade. Feliz por estar com a Lita, a pessoa que a adoptou há algum tempo.
A gratidão é um sentimento que está a cair em desuso. A Tita, contudo, não vai por aí. Quem lhe faz bem tem amiga para toda a vida. Foi o que aconteceu com ela.
A Tita veio da Covilhã com uma família que não a sabia amar. Marido e esposa eram por natureza agrestes. Iam para o emprego, logo de manhã, e deixavam a Tita, ainda bebé, fechada numa varanda. Com frio ou com calor, a sua alegria e a sua vivacidade, já notórias, estavam presas. Comia depressa o que lhe deixavam e por ali ficava à espera da ternura que nunca chegava e de um gesto de amizade que nunca experimentou nem conheceu. Conheceu, isso sim, os pontapés dessa gente agressiva e sem piedade. Aos fins-de-semana tudo piorava. Enquanto o casal ia à terra, a Tita ali permanecia limitada a uns três metros quadrados. Comia, como sempre, a ração toda de uma só vez, bebia a pouca água que lhe deixavam. Quando a fome e a sede apertavam, no final de domingo, comia e bebia, qual náufrago esfomeado, as próprias fezes e a urina.
A tristeza apoderou-se da Tita e quando sentia o casal refugiava-se num recanto qualquer, com medo dos inexplicáveis castigos. A sua sina estava a tornar-se insustentável. E disso dava conta, com olhares carregados de mágoa, a quem ousava apreciar a sua desdita.
Se alguém a pudesse ajudar a sair daquele cativeiro; se alguém a quisesse e soubesse amar de verdade e como gente, jamais esqueceria esse gesto. Toda a vida! Terá pensado e prometido a Tita em momento de mais tristeza.
Num fim-de-semana alargado, numas férias da Páscoa, a Tita mais uma vez foi condenada a ficar prisioneira na varanda do segundo andar de um prédio com dezenas de moradores, em zona residencial da cidade. Com cinco dias de cativeiro, os seus gritos de dor, pelo abandono e pela fome, não tardaram, esgotadas que foram as provisões deixadas pelo casal. E não tardaram também os gestos de solidariedade de quem não gosta de ver o sofrimento seja de quem for.
Alertada a polícia local, gerou-se um movimento de apoio à vítima de abandono. Protecção civil e bombeiros, apoiados por uma brigada da polícia vocacionada para situações como esta, montaram o esquema libertador. Escadas, roldana e cesta de resgate foram preparadas. A Tita não podia continuar a ser vítima de maus-tratos.
As janelas dos prédios vizinhos encheram-se de gente curiosa e condoída. Transeuntes questionavam quem estava para saber do que se tratava. A Lita dava explicações, deixando transparecer o seu desgosto por haver gente sem sentimentos. E quando a Tita foi salva, os rostos dos que assistiram à cena iluminaram-se de alegria.
Com todos os cuidados, a Lita assumiu-a como adoptante, até se encontrar uma solução definitiva. Acarinhou-a, alimentou-a, ofereceu-lhe uma cama digna. Um dia e outro. E mais um dia e mais outro.
A gratidão da Tita ia aumentando. Impossível a separação. Quando pressentiu isso, o instinto garantiu-lhe que tinha agora uma nova família que a amava. Uma família para ela amar até ao fim da sua vida.

Fernando Martins

Nota: Escrito em julho de 2007

Outros tempos — Boas recordações de férias


Sem muito sol e com aragem a propor abrigo, não faltaram hoje no parque que habitualmente atravesso famílias em piqueniques. O aconchego do arvoredo e as mantas estendidas convidaram quem estava, e muitos eram, a saborear os farnéis que de longe vislumbrei. E pela forma como eram degustados, sem pressas e sem complexos, posso garantir que estavam apetitosos. Depois, seguiu-se a soneca dos mais pesados e a bola dos mais miúdos. Tanto bastou para eu recuar uns bons 40 anos, quando, com a família, bem unida e concordante, fazia o mesmo, quer na mata da Torreira e S. Jacinto, quer entre a Costa Nova e a Vagueira. Não era pela poupança, embora fosse compreensível ter em conta essa vertente. Bons tempos.
Preparado o farnel, à medida das idades e dos apetites, preparada a trouxa do indispensável, que as comodidades exigiam, tudo arrumado no carro, sem espaço para mais nada, lá seguíamos na procura do lugar ideal, onde não incomodássemos nem fôssemos incomodados, que de vizinhos desconhecidos nunca se sabe o que pode surgir.
Com o cheirinho do mar e da ria, de mistura com o aroma dos pinheiros e arbustos, o que se comia, salgados, doces e frutas, sabia a banquete de festa, que nos obrigava, não raramente, a marcar novo piquenique, ainda no Verão, sem frio nem chuva que incomodassem. E anos e anos foram passando, com a família a registar na memória momentos que perduram.
Depois da barriguinha composta, os mais velhos, com avós e tias que sabiam estórias vividas e repetidas vezes sem conta, nunca negaram a soneca. Os mais novos, esses não dispensavam a bola, mesmo quando mal podiam com ela.
Nunca faltaram ocasiões cheias de sonhos e de felicidade sentida e esperada, para o futuro que aí vinha apressado. "Agora, os mais novos ainda brincam com olhos atentos ao que faziam e como faziam; daqui a uns anitos como será?", era questão que me deixava calado...
Os anos passaram e os interesses multiplicaram-se. A vida trouxe novos hábitos e a idade reclamou comodidades, até aí sem peso para se imporem.
As formigas e os mosquitos provocaram alergias, as mantas não eram acolchoadas e o chão nada tinha de mesa que se visse, para além dos tachos, pratos e talheres. Os piqueniques tiveram o seu fim quase por completo. Mas a saudade desses tempos, repletos de alegria, ainda me assalta, como boa recordação que não quero perder.

Fernando Martins

Evocando o Dr. Ribau falecido quase há 10 anos

Dr. Maximiano Ribau
Confesso que às vezes me comovo (Será da idade?) com mensagens que recebo e palavras amigas que me honram. Hoje, depois de um tempo de descanso, abri o computador e leio de imediato  uma mensagem que me havia sido dirigida pouco tempo antes, referente a um texto que publiquei sobre o Dr. Ribau, falecido em 22 de Dezembro de 2008. Quem a assinou foi Filipa R. Nunes. Diz assim:

«Ao fim de tantos anos encontro algo tão bonito como essas palavras que foram proferidas, acerca de um Homem que me orgulho e tive o prazer de lidar. Esta pessoa magnifica que foi e o seus feitos incontáveis. Salvou não uma vida, mas muitas e foram estes os gestos que o denominavam, que o caracterizavam. Já passaram quase 10 anos após esse acontecimento, mas hoje como  desejaria estar ao seu lado a ouvi-lo mais uma vez a contar as suas histórias, pois na altura não dei a atenção devida e agora sobram os seus manuscritos e a honra de ter feito parte da história e da vida deste Homem!!!! Obrigada a si, pelas palavras que tão bem me souberem enquanto as lia, recordei, sonhei e chorei.

Filipa R. Nunes 

(14 - 05 - 2017, 17h21)

E o que escrevi?

Faleceu o Dr. Ribau 

O sol brilhante e acariciador convidou-me esta manhã para um passeio pela nossa Av. José Estêvão. Meia dúzia de passos andados, dei de chofre com a notícia do falecimento do Dr. Maximiano Ribau, com a provecta idade de 96 anos. Licenciado em medicina pela Universidade do Porto, em 1940, desde essa data começou a exercer clínica na sua terra Natal, Gafanha da Nazaré. 
O Dr. Ribau foi médico de inúmeras famílias e pessoas desta sua terra durante décadas. E em épocas de parcos haveres, para muitos, sempre atendeu os pacientes, sem preocupações de receber os honorários que lhe eram devidos. Tratava-os, ao domicílio ou no consultório, e depois se via… 
Foi meu médico durante muito tempo, sobretudo durante uma grave doença pulmonar que me afectou, fatal para muitos nessa altura. Recordo bem a forma persistente com que me assistia, como me levava a especialistas para não haver dúvidas sobre o tratamento a seguir, como ralhava comigo quando não tomava alguns remédios intragáveis. E ainda recordo a sua alegria (e a minha) quando me deu por curado. Mas acrescentou, então sem perigo de me provocar qualquer angústia, que escapei por milagre. 
Sempre lhe fiquei grato por isso. O Dr. Ribau ainda se envolveu nos assuntos da terra, chegando a criar a Cooperativa Humanitária, fruto de um sonho seu, que nunca chegou a atingir os objectivos que se propunha, por várias razões. 
O Dr. Ribau, que hoje [22 de dezembro de 2008] nos deixou, perdurará na memória de muitos gafanhões como médico competente, interessado pelos seus doentes e amigo da sua terra e das suas gentes. 
O seu funeral será amanhã [23 de dezembro de 2008], pelas 15.30 horas, com missa de corpo presente, na igreja matriz da Gafanha da Nazaré. 
Paz à sua alma. 

Fernando Martins

Recordando o Padre Abraão

Livraria Santa Joana
Apesar do tempo que passou, guardo lembranças de alguns encontros que tive com o Padre Abraão da Costa Lopes, oriundo da Arquidiocese de Braga e responsável pela Livraria Santa Joana durante alguns anos. E dessas lembranças ocorre-me salientar a simplicidade do seu viver e das suas relações com os frequentadores da livraria, não deixando passar a oportunidade de sugerir, delicadamente, esta ou aquela obra acabada de chegar. Dele, pois, recebi e aproveitei algumas propostas de compra.
O Padre Abraão, vocação tardia, com passagem pela Obra da Rua, também foi, tanto quanto sei, empregado de uma livraria. Daí, porventura, o prazer que ele sentia no ambiente livreiro. 
Porém, há outras facetas porventura pouco conhecidas do seu gosto pelos livros. Um dia entrei na livraria e ele convidou-me para ir ao seu gabinete. Sentei-me a seu convite e mostrou-me, com um sorriso largo a iluminar o seu rosto um pouco seco, um livro antigo com edição especial. Bonito e bem cuidado, o livro nem era de autor conhecido. Folheando-o, foi-me explicando a razão por que o havia comprado para seu regalo. Deu-me a entender que possuía mais obras raras… 
Um dia, numa reunião em Fátima, aberta a diretores e colaboradores dos órgãos de comunicação das dioceses, o diretor de um jornal de Coimbra anunciou, no decorrer da conversa, que a Lusa Atenas já possuía uma livraria destinada a publicações religiosas, nomeadamente teológicas, eclesiais e de espiritualidade, entre outros temas. E frisou: «Agora, quando precisamos de livros desta natureza, já não necessitamos de ir a Aveiro ou a Fátima para as adquirir.» E quando contei a história ao Padre Abraão, ele sorriu, silenciosamente, mas satisfeito.

Fernando Martins

Recordando a prima Rosa Salsa


No dia 18 de abril de 2010, registei o falecimento da minha prima Rosa Salsa, uma prima muito amiga que jamais esquecerei. Quando hoje me lembrei dela, o que acontece com frequência, fui à procura do que há anos havia escrito. Partilho com os meus leitores atuais o que então me ocorreu escrever. E faço-o com a certeza de que cumpro o dever de manter viva a memória da sua bondade e da sua amizade. 

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Há momentos difíceis na vida. A partida de alguém muito querido é sempre um motivo de grande dor. E quando esse alguém é uma pessoa que nos marcou na vida, pela sua bondade pura e generosidade sem limites, então a dor é muito maior.
A minha prima Rosa Salsa era uma amiga muito próxima, apesar da diferença de idades, e ocupava um lugar especial no meu coração. Confidente que me ouvia e aconselhava nas horas mais difíceis e comigo ria nas horas de felicidade.
Mulher de fé profunda oferecia a quem a ouvia palavras de esperança alicerçadas na Boa Nova de Jesus Cristo. A sua vida era uma oração fervorosa e permanente, convicta de que com ela dava um precioso contributo para um mundo melhor.
Tentou ser freira, mas acabou por desistir. Porém, manteve permanentemente o espírito de doação aos outros, que acompanhava com um sorriso que os seus amigos, que eram quantos com ela conviviam, jamais esquecerão.
A minha prima Rosa Salsa escrevia com muita sensibilidade. As cartas que nos remetia deixavam transparecer uma grande alma. Uma alma de afectos e de bem.
Um amigo comum disse-me um dia que as cartas que a Rosa enviava a sua esposa, eram sofregamente lidas por ele, mesmo antes da destinatária. Traziam qualquer coisa de simples e belo, garantiu-me.
A minha prima gostava muito de ler quando era mais nova. E quando chegava a qualquer palavra que desconhecia apressava-se a escrevê-la num caderno, para depois consultar um dicionário, que não possuía. E quando fez um exame, a sua redacção foi copiada pelos membros do júri, tão bonito estava o seu escrito.
A Rosa Salsa está no seio de Deus, gozando a felicidade tão desejada pela sua fé. Por isso, a tristeza que a sua partida sem regresso suscita em nós tem de ser estímulo para sermos dignos da fé e da bondade que ela nos legou.

Fernando Martins

Fui buscar aqui

Tenho fome de conhecer o mundo

Algarve

Caramulo

Chaves

Piódão

Quando leio, vejo ou oiço descrições de viagens pelo mundo, bem contadas, sou invadido pela tristeza e pela certeza da minha dificuldade em ir confirmar, in loco, as belezas retratadas. Há pessoas com sorte na vida. Nesse aspeto, embora tenha passado por alguns países da Europa, nunca pude fixar-me em qualquer deles, uns simples dias, para visitar as memórias das grandes cidades. E em Portugal, que conheço um pouco, ainda estou longe de apreciar, com a profundidade que frequentemente sonho, muitos dos seus recantos.
Não sei porquê, mas a história e a vida dos grandes burgos, como a pacatez das pequenas povoações, sempre me atraíram. Gosto de me confrontar com hábitos diversos, de apreciar marcas do passado, de ver e ler os feitos dos íncolas, de contemplar as paisagens que nos oferecem cores, formas e cheiros variegados. Gosto de experimentar ares frescos e calores que aquecem realmente, gosto de contemplar gentes no seu casario tradicional, de calcorrear ruas sinuosas e rios cantantes, gosto de ouvir o linguajar do povo e de apreciar serranias e planuras, gosto de me quedar e de olhar horizontes numa qualquer esplanada, mesmo com barulho em redor. Mas como sou vivo, graças a Deus, pode ser que um dia destes consiga deambular por aí, nem que seja por aqui à volta, para saciar um pouco esta fome de conhecer o nosso mundo.

Fernando Martins

Nota: Escrito em 30 de maio de 2008

Egas Moniz na estação do Porto

  Quando vou ao Porto, a capital do Norte, lembro-me com frequência dos painéis que decoram a sala de entrada da Estação Ferroviária. Nunca ...