Taizé - Um sonho para mim


A entrevista que a Otília Bola me concedeu para ser publicada no "Timoneiro", jornal da paróquia Nossa Senhora da Nazaré, sobre a sua peregrinação a Taizé, enriqueceu-me. Acho que todos os jornalistas saem marcados pelas entrevistas e reportagem que fazem. E marcou-me, sobretudo, quando afirmou:

“Esta participação permitiu-me uma semana de paz; pensei no que tenho andado a fazer menos bem, refleti sobre aspetos a melhorar na minha forma de atuar no dia a dia, quer no âmbito pessoal e familiar quer profissional, enquanto me permitiu uma pausa que me fortaleceu e me deu muita tranquilidade.” E acrescentou: “Regressei e ainda hoje, quando acordo, ouço aqueles cânticos maravilhosos; os cânticos de Taizé dão-me uma paz extraordinária.”

Irmão Roger
Quando um dia destes me debrucei sobre fotos encaixotadas, com vista a arrumar, com alguma ordem, as mais importantes, deparei-me com este postal ilustrado que um bom amigo me remeteu quando foi a Taizé, em 24 de fevereiro de 2012. E nele sublinhou que esteve junto à campa dos restos mortais do Irmão Roger Schütz,  fundador da comunidade de Taizé. A campa, que está assinalada, é a do lado direito.

Curiosidade...



Foto de 1989: Mas que estarão estas crianças a tentar descobrir? Mistério. Quem souber, que diga.

Painel Cerâmico de Zé Augusto

Memória de há nove anos


Na rotunda da cintura interna, na Cale da Vila, foi inaugurado um painel cerâmico do artista aveirense Zé Augusto, para assinalar a ligação ferroviária ao Porto de Aveiro e às novas estruturas rodoviárias.
Sempre gostei de arte nas ruas da cidade. De qualquer cidade e mesmo das vilas e aldeias. É uma forma positiva de educar a sensibilidade artística do povo local e de quem por elas passa. Congratulo-me, por isso.
Acresce o facto de o painel ser da autoria de um dos mais expressivos artistas aveirenses desta área, já representado, também numa obra da responsabilidade da APA (Administração do Porto de Aveiro), no paredão da Meia-Laranja, na Praia da Barra. Aqui fica o convite aos meus amigos para que passem por lá para apreciar mais este trabalho de Zé Augusto.

FM

NOTA: Publicado em 28 de março de 1910, ano do centenário da criação da freguesia e paróquia.

Recordando o meu irmão: O menino morreu há 12 anos

Armando da Rocha Martins 

(25-10-1941 — 27-3-2007)

Ainda hoje me lembro com saudade do dia em que, empoleirado no muro frontal à nossa casa, encimado por uma rede de arame a que me segurava, o João Edmundo Ramos (primo afastado) me perguntou onde estava o meu menino Jesus. Respondi-lhe que estava a nanar, palavra que me veio de minha mãe, conhecida por Rosita Facica. E a partir daí, tanto quanto consigo recordar, passei a tratar o meu irmão por menino, mais novo do que eu três anos. Ele chamava-me mano. 
Nas conversas que mantivemos, desde sempre e até à sua morte, que ocorreu em 27 de março de 2007, nunca o tratei por Armando, o seu nome, nem ele me chamou Fernando, o meu nome. Menino e Mano ficaram para as nossas vidas, qualquer que fosse a situação em que nos encontrássemos. Para os outros, em geral, ele era o Grilo, apelido da nossa família paterna. Curiosamente, eu nunca fui considerado Grilo ou Facica, o apelido da nossa linha materna.
Três anos nos separavam e os grupos de amigos não coincidiam. Eu prossegui estudos e ele, em determinada altura, optou por trabalhar, depois de o nosso pai lhe perguntar o que é que ele queria na vida. E assim foi.
Depois de algumas experiências profissionais e de uma tentativa de emigração, acertou o passo no comércio e na indústria, onde foi figura preponderante no meio bacalhoeiro, mas não só. 
Casado com a Julita, com dois filhos, o Miguel e a Carla, ficou encantado com os dois netos, o Martim e o Levi, em quem se revia, contando-nos estórias de que se ria e nos fazia rir. Qualquer episódio, por mais simples que fosse, o meu irmão, o Menino, dramatizava-o com graça e arte, como se estivesse a representar num palco de teatro, estando, contudo, no palco da vida, onde as alegrias têm cabimento garantido, de mistura com algumas dores, próprias da nossa natureza frágil. Jamais esquecerei as suas risadas provocadas pelo Martim, que tinha em criança hábitos de chaveiro. Chaves que estivessem a jeito, bolso com elas. Eram suas e guardava-as bem guardadas para ninguém as descobrir. E contava o meu irmão que tinha de lhe telefonar para ele explicar bem direitinho onde as tinha escondido, porque sem elas não podia abrir as portas. E o Martim lá cedia.
Em 2006, quando tive o enfarte, ele ficava a olhar para mim, quantas vezes sem falar, mas eu notava no seu silêncio a inquietação que lhe ia na alma. Há silêncios que dizem mais que mil palavras. 
Recordo-o todos os dias nas minhas orações matinais, num lote de familiares e amigos que vai crescendo, ultimamente com mais intensidade. Que Deus o guarde no seu regaço maternal, para um dia, quando nos reencontrarmos, cara a cara, e nos tratarmos como sempre o fizemos, por Menino e Mano, revivermos, com todo o tempo do mundo, os momentos agradáveis da vida terrena, que os desagradáveis não os queremos lá connosco. 

Fernando, o teu mano

NOTA: Texto publicado em 31 de maio de 2021 no Pela Positiva

Feira de Março já de portas abertas


Já temos a Feira de Março de portas abertas, com a publicidade a garantir que vai ser animada. Certo é que, apesar da animação e exposição de muito que diz respeito ao mundo empresarial do nosso distrito, a mais que centenária feira, que começa em março e acaba em abril de cada ano, já não terá o impacto de há boas décadas, em que o povo se divertia e comprava, nas barracas de bugigangas e utensílios de cozinha, o que faltava para o dia a dia. Os tempos eram realmente outros, sem as grandes superfícies a imperarem por todos os cantos.
Na nossa meninice, a segunda-feira da Páscoa era sagrada. A Auto Viação Aveirense trabalhava sem horário fixo, que era preciso levar e trazer de volta os gafanhões, porque automóvel não era para toda a gente. Poupava-se para nesse dia, sobretudo, se comprar o que era preciso, mas também para gozar a alegria dum Carrocel, de uma ida ao Poço da Morte, ao Circo ou ao Comboio Fantasma. E também, diga-se de passagem, para comer umas farturas.
Hoje, é tudo ou quase tudo diferente e as diversões batem-nos à porta a cada momento. O mesmo se diga sobre as farturas, que já não são exclusivas da Feira de Março.
Boas compras, boas diversões e alguns petiscos, que a vida são dois dias…

Fernando Martins

Raul Brandão: A chegada à Madeira




“Fundeamos e a Madeira abre-nos os braços, com a Ponta do Garajau num extremo, e a Ponta da Cruz no outro extremo. Adivinho as casas, que por ora são fantasmas e descem lá do alto até à praia. Agora o tom cinzento desapareceu, domina o azul e o oiro, e na minha frente o grande anfiteatro verde dos montes ergue-se como um altar até ao céu. É uma serra a pique, é uma serra voluptuosa e verde que se oferece lânguida e verde" (...) 

Raul Brandão, escritor nascido em 1867, no Porto, escreveu “As Ilhas Desconhecidas”, um livro publicado pela primeira vez, em 1926, que reúne notas e reflexões da sua viagem à Madeira e aos Açores.

NOTA:
1. Da nossa única visita à Madeira, guardamos, ainda com alguma nitidez, o colorido da Ilha, a afabilidade das gentes, as autoestradas do Alberto João e a marca bem visível da capacidade turística daquele rincão luso no meio do oceano. Sonhei voltar, mas fiquei-me pela hipótese...; 
2. As fotografias que ontem achei no meio de centenas não são de boa qualidade, mas dão para perceber quanto a ilha tem a nível de panoramas convidativos à descontração que pudemos perceber. Contudo, dão a ideia da nossa juventude que, entretanto,  passa a  feliz recordação;
3. Esta mensagem, neste meu espaço de memórias, vem na sequência do texto que li hoje em Portos de Portugal.  

Quando o maior navio de sempre entrou no Porto de Aveiro

Carlos Oliveira, do Porto de Aveiro, entrega uma lembrança ao comandante

Comandante, Carlos Oliveira e empresários 

Recanto do Beluga


Tive o privilégio de testemunhar, no dia 14 de julho de 2008, um acontecimento histórico no Porto de Aveiro, entre algumas pessoas que vibram com as vitórias da maior infraestrutura portuária da região centro de Portugal. Pela primeira vez na sua já longa vida de mais de 200 anos, tantos quantos leva da abertura da Barra, o Porto de Aveiro acolheu o maior navio de sempre, o “Beluga Intonation”. O convite veio do meu amigo Carlos Oliveira, que teve a gentileza de me vir buscar a casa, já noite fechada, para presenciar ao vivo o aparato do momento até ali inédito. 
O “Beluga Intonation”, com os seus 166 metros de comprimento (170 com o quebra-gelo), demandou a zona portuária com uma carga de aerogeradores e outros materiais destinados à indústria de energia alternativa. Comandado pelo capitão Johan Marcel Buysse, o "Beluga Intonation" apresentou-se altaneiro, no domingo, na tranquilidade com que passou a barra, rumo a um descanso merecido, enquanto a carga seria, como foi, colocada no cais, graças ao esforço de três potentes gruas do próprio navio. 
Na torre de comando, no 6.º andar, de onde se divisavam a área portuária, a ria e terras circunvizinhas, demarcadas pela iluminação de ruas e habitações, Carlos Oliveira, em representação da APA (Administração do Porto de Aveiro), apresentou cumprimentos ao comandante, sublinhando o significado da estadia do seu navio no nosso porto. Oferecendo-lhe como lembrança desta sua presença entre nós o livro “Porto de Aveiro: Entre a Terra e o Mar”, de Inês Amorim, editado no âmbito das comemorações do Bicentenário da Abertura da Barra de Aveiro, expressou a garantia da excelente operacionalidade do nosso porto. 
Também o capitão Johan mostrou a sua satisfação pelo acolhimento que lhe foi prestado, bem como pelos bons serviços desenvolvidos pelos diversos operadores portuários. Os aerogeradores chegados a Aveiro vieram da Índia com destino a uma empresa sediada em Vagos, para ali serem transformados. Posteriormente, uns serão exportados para os EUA e outros destinar-se-ão aos campos eólicos do nosso país. 

FM

Recordando: Uma tarde no ZOOmarine





Evoco hoje uma tarde no ZOOmarine, Algarve, já lá vão 10 anos, a completar no próximo mês de abril. Faço-o agora para não correr o risco de me esquecer, apesar da grata experiência em tempo de férias da Páscoa.
De Albufeira, de que falarei noutra recordação, partimos rumo ao famoso parque  pedagógico e de diversões, com ambiente cuidado e desafiante, qual Floresta Encantada, com tudo  e mais alguma coisa: Golfinhos, aves exóticas, animais ferozes, domesticados, uns, e selvagens, outros, com cinema, aquários, exposições, para além de uma panóplia de diversões e sessões em salas próprias, para todas as idades e gostos. Ali não faltava nada, com ordem, programação, atendimento adequado, explicações oportunas, demonstrações atempadas e tudo o que possa imaginar-se. Mas os golfinhos, amigos, foram momento nobre e exuberante. 
Se tudo estiver como há 10 anos encontrei e apreciei o ZOOmarine, vale a pena a visita.  

Um conto de vez em quando

O Piteira 

Toda a gente da aldeia conhecia o Piteira. Era uma figura típica que não passava despercebida a ninguém. Não que fosse um artista, um pai de família exemplar, um proprietário de nome reconhecido na praça, um político de palavra fácil. Nada disso. Era simplesmente um “alma de Deus” e ébrio incorrigível. Magro, pele tisnada pelo sol e pelos ventos salgados da maresia, beata ao canto dos lábios, sempre do lado esquerdo, boné à marinheiro, olhos bem abertos para o infinito, nunca fitava de frente fosse com quem fosse, falava sem tino a maior parte do dia e até de noite. Pregava sermões não se sabe a quem, mas não se lhe conheciam animosidade de sua parte. Bebia tinto, sempre tinto, que outras bebidas o seu estômago não aceitava. Faziam-lhe azia, dizia a quem procurava saber o porquê dessa discriminação. 
Só o tinto, pois, e a qualquer hora, fazia do Piteira um bêbado famoso nas redondezas. Mas era um bêbado cordato. Não se notavam tendências agressivas, não armava zaragatas e até fugia delas, não discutia com ninguém e frequentemente respondia, a quem o interpelasse com menos delicadeza, “quem está, está; quem vai, vai”. 
O Piteira deambulava pela aldeia, ao deus-dará, indiferente a tudo e a todos, à chuva e ao vento, ao frio e ao calor. Como quem busca qualquer coisa que sabe difícil de encontrar. E a quantos teimavam em saber a razão de ser da sua vida, o porquê de gostar tanto do tinto, respondia com o silêncio e com olhares mortiços. Às vezes indiferentes e não raramente altivos. Conjecturava-se sobre algum desgosto de amor, sobre alguma revolta social, sobre algum complexo que o amarfanhava. Mas a tudo isso o Piteira respondia do mesmo jeito, como quem não deve nada a ninguém: –  Gosto de vinho porque sim! – foi a única explicação que um dia deu, não se sabe porquê. 
Na família do Piteira não havia alcoólicos. Gente simples, trabalhadora, honesta, pacata, não gostava que o seu Piteira desse má nota dos seus. Mas nem por isso deixava de mostrar estima por ele, aceitando-o quando aparecia e dele cuidando com carinho. O Piteira comia pouco em casa de uns e de outros familiares. Nunca de amigos, que também os tinha. Às refeições bebia água, simplesmente. Depois de comer, senta-se num banco tão velho como ele, perto de uma figueira ainda mais antiga, do tempo dos seus avós. Por ali se quedava, pensativo e calado. Via os sobrinhos mais pequenos e deles se ria do que faziam e diziam. Com os mais crescidotes, embevecido, talvez recordasse os anos em que foi moço de salinas, onde trabalhava de sol a sol à torreira de um calor abrasador e salgado. 
Em certos dias, sem sal para raer e para encher os montes nas eiras, o marnoto não lhe perdoava o não ter que fazer e lá o levava para as tarefas agrícolas no aido grande. Animava-o apenas o sorriso lindo e o ar donairoso das duas filhas do patrão, a Ermelinda e a Maria Rosa, que por ali passavam de vez em quando. Só por isso, valia bem esse esforço não remunerado do Piteira, em dias de tempo chuvoso ou sem sol que desse sal. Depois, num repente, saltava do banco e voltava às suas caminhadas, sem horizontes e como que perdido no tempo. Alheio a tudo, com a prisca ressequida e eternamente apagada que nunca lhe caía do canto esquerdo dos lábios gretados. Nos tascos por onde passava, inevitavelmente, havia sempre quem lhe oferecesse um copito de três, que ele engolia num trago e sem agradecer. Um aqui, outro ali, e tanto bastava para manter em alta o nível alcoólico que fazia do Piteira um doente crónico. 
Certo dia, um amigo, aproveitando ocasião de alguma lucidez, avançou com a ideia de o Piteira se tratar. Sempre podia ficar com mais saúde; o tratamento seria fácil; umas simples pastilhas receitadas por um médico seriam uma ajuda preciosa para começar a ter fastio pelo vinho. Depois poderia levar uma vida normal, com trabalho para não sobrecarregar ninguém; nem faltariam amigos e familiares que o amparassem, se estivesse de acordo. Até poderia casar e constituir família! Quando ouviu as palavras casar e família, o Piteira explodiu, como nunca ninguém o viu. Berrou sem nexo, praguejou com gestos agressivos. E fugiu. O Piteira saiu de cena na aldeia. O povo e a família estranharam a sua falta. 
Questionaram-se sobre o que teria acontecido ao Piteira: Por onde andará? Onde estará? Terá morrido com mais uma bebedeira mais forte? A polícia foi alertada e até apelos nas missas se repetiram. As buscas começaram. Ria e seus canais, cantos e recantos da aldeia foram batidos sem êxito. Terras vizinhas associaram-se às buscas. E nada. Quando a ideia da morte era ponto assente, o Piteira surgiu à luz do dia. 
Mais magro, com ar cadavérico e sem sinais de tinto. Lúcido. A família acolheu-o como filho pródigo. O nosso homem não deu explicações. Ninguém lhas pediu. O Piteira acamou em estado de exaustão. Recusava a comida. Esperava-se o pior. O médico bem receitou, mas o Piteira recusava sistematicamente os xaropes. A família, que o rodeava com muito carinho, pressentiu a hora da partida para a última caminhada. A vida esvaía-se lenta e firmemente. O Piteira, com a voz sumida, entrava em agonia. – Quero ver a Ermelinda… Quero ver a Ermelinda… – foram as suas últimas palavras. 

Fernando Martins

Reflexo num lago da serra do Buçaco


Esta foto, que batizei com o nome de reflexo, foi registada na serra do Buçaco, há mais de cinco anos. A serra, verdejante como de costume, proporcionava a quem chegava uma tranquilidade que inundava a alma. Indiferente a tudo, o ganso vivia o seu prazer de estar em plena natureza entregue às suas conjeturas que jamais me confessou, apesar de solicitado. O reflexo que captei talvez pudesse ser mais nítido ou expressivo, mas tal não consegui por falta de saber e arte. Ficará para uma próxima visita, se Deus quiser.

***
Este arrazoado vem a propósito de amanhã começar a Quaresma, tempo de reflexão e de renúncia ao supérfluo que nos abafa, mas ainda de tranquilidade, no contacto próximo com a natureza. 

Egas Moniz na estação do Porto

  Quando vou ao Porto, a capital do Norte, lembro-me com frequência dos painéis que decoram a sala de entrada da Estação Ferroviária. Nunca ...