Recordando o Padre Jeremias Vechina

Texto escrito em 18 de agosto de 2009

D. Manuel de Almeida Trindade 
tinha grande admiração 
pelo padre Jeremias

Padre Jeremias (à esquerda) e seu irmão José Carlos


No domingo, participei na eucaristia das 11.15 horas, na igreja matriz da Gafanha da Nazaré, presidida pelo padre Jeremias Vechina, meu colega da escola primária, na já famosa, para os da minha idade, Escola da Ti Zefa. Não via o padre Jeremias há anos e gostei de estar com ele alguns minutos. Esteve doente há pouco tempo. "Desta safei-me", disse-me.
Também gostei da homilia que fez, com nível, ou não fosse ele um conhecido especialista em espiritualidade.
Quando cheguei a casa, veio-me à memória o tempo da escola. E dele recordei a alegria natural e permanente, bem como a facilidade com que fazia amizades com todos os colegas. Ainda recordei a sua caligrafia, com a inclinação para trás, ao contrário do que era habitual.
Depois, a minha memória continuou até que cheguei à admiração que D. Manuel de Almeida Trindade, que foi Bispo de Aveiro, tinha pelo padre Jeremias e pela sua cultura espiritual, como um dia me disse. E fui à cata de algum escrito de D. Manuel, onde essa admiração estivesse patente. Localizei, então, no livro do nosso antigo bispo —  Apontamentos de Retiros —,  um  retiro orientado pelo padre Jeremias, em Fátima, entre 13 e 17 de Junho de 1983. Só algumas passagens:

Conferência da manhã: «Uma conferência doutrinalmente profunda. O Padre Jeremias começou por evocar o centenário da morte de Santa Teresa de Ávila e o papel que ela desempenhou no século em que viveu. O seu papel foi servir de ponte: ensinou os teólogos (teólogos da escolástica decadente) a rezarem e a serem ‘espirituais’: e ensinou os espirituais a recorrerem à teologia (e aos teólogos) para que a sua espiritualidade tivesse fundamentos sólidos e não fosse devocionismo epidérmico.» 
Mais adiante, diz: «Belas palavras as do Padre Jeremias acerca da esperança a partir do pensamento de S. João da Cruz.»

Outra Conferência da manhã: «Bela conferência do Padre Jeremias sobre a maneira como o homem provocou a ausência de Deus e como Deus procura afirmar a sua presença de amor, chegando a sentar-se no banco dos réus, no lugar do homem… Esta ‘ausência’ de Deus é sentida pelos místicos da maneira mais viva. S. João da Cruz fala nas ‘noites escuras em que Deus parece que se esconde —os terríveis silêncios de Deus!» 
Fico-me por aqui para não cansar os meus leitores. Apenas quis recordar o meu amigo padre Jeremias, sublinhando, levemente, a sua espiritualidade e a admiração que D. Manuel de Almeida Trindade tinha por ele.

Fernando Martins

Manda a tradição — Castanhas e Jeropiga

Dia de S. Martinho 
come castanhas e prova o vinho 

Cá está o nosso assador

Manda a tradição que neste dia, 11 de novembro, se comam castanhas e se prove o vinho novo. Castanhas estarão garantidas, mas o vinho novo não está nos nossos costumes. Na Gafanha não há vinhas, vindimas e muito menos vinho nas pipas à espera da hora de ser saboreado.
Se não há vinho na adega, não falta por aí do bom e do melhor. Mas cá por casa contentamo-nos, tal como na minha infância, com um copito de jeropiga. Até os diabéticos, que é o meu caso, podem adoçar as gargantas, que uma vez não são vezes.
Hoje, porém, as castanhas não têm o mesmo sabor. Assadas no forno do fogão, o gosto não é realmente o mesmo. Antigamente fazia-se uma fogueira no velho borralho, onde por cima se defumavam os chouriços, as morcelas e os presuntos. E à falta dele, era num fogareiro que se assavam as castanhas, numa panela de barro com buracos, ligados uns aos outros com arames, diziam que tal era preciso  para evitar que a panela estoirasse. E sabiam bem… Mas nunca, que me lembre, ficavam com o tempero e o gosto das castanhas vendidas pelos assadores que se instalavam, no olho da cidade de Aveiro, por esta época. Segredos que nunca descobri, mas que eram mais saborosas, lá isso eram.
Ontem, em jeito de quem adianta o dia de S. Martinho, não vá alguém esquecer-se que o dia a celebrar seria hoje, já comemos castanhas, num assador de lata comprado pela Lita em qualquer feira. Será que vamos repetir a dose? Se não, paciência. É que o S. Martinho, à custa das castanhas, é quando nós quisermos.
Bom S. Martinho para todos.

Recordando o Stella Maris

1985 | 10 de novembro | Gafanha da Nazaré



Na freguesia da Gafanha da Nazaré, a Obra do Apostolado do Mar inaugurou a primeira fase do edifício do Clube «Stella Maris», para acolhimento dos marítimos que demandam o porto de Aveiro ou nele se ocupam em quaisquer profissões (Correio do Vouga, 8 e 15-11-1985)

"Calendário Histórico de Aveiro"
António Christo e João Gonçalves Gaspar

Stella Maris nas minhas memórias

A propósito da efeméride que hoje recordo, ocorre-me sublinhar duas ou três coisas da implementação do Clube Stella Maris da Obra do Apostolado do Mar entre nós. Nasceu carregado de boas intenções, mas não terá atingido êxito a nível da sua intervenção pastoral. Exerceu um papel social junto de alguns marítimos e suas famílias, especialmente das classes mais humildes, mas não passou daí.
As instalações do Stella Maris, com edifício próprio que substituiu um antigo pré-fabricado, serviram, normalmente, de dormitório e de pensão económica. Um ou outro encontro, uma ou outra celebração, e pouco mais.
Depois, a dispersão natural da área portuária, o desmantelamento da frota bacalhoeira, a transformação radical da indústria de processamento do pescado, bem como a melhor qualidade de vida a bordo dos navios que demandavam o Porto de Aveiro, juntamente com dificuldades sem conta na implementação de uma pastoral de e para o homem do mar, entre outras razões que nem vale a pena abordar, estiveram na base do fim do Stella Maris.
Quem o viu nascer, sente alguma mágoa, mas temos de ser realistas. Os tempos passaram a ser diferentes, os marítimos de hoje não são, seguramente, os de há uns 45 anos e o nível de vida melhorou, mesmo para os trabalhadores do mar e da ria. Poucos eram os que precisavam de uma pensão que os acolhesse.

FM

Dona Luz Facica nas minhas memórias

A Gafanha da Nazaré foi surpreendida, no dia 4 de outubro, pela triste notícia do falecimento de Dona Maria da Luz Rocha, uma mulher que passou por este mundo fazendo o bem sem olhar a quem. Digo Gafanha da Nazaré, por ser sua terra natal, onde sempre viveu, marcando inúmeras pessoas e famílias pela sua bondade, sentido de responsabilidade, coerência cristã, espírito pedagógico das suas intervenções e amor aos feridos da vida, mas sei que a dor da sua partida para o Pai ultrapassou as fronteiras da nossa região.
Dona Luz Facica, como era conhecida entre nós e muito para além da Gafanha da Nazaré, foi uma cristã de corpo e alma inteiros porque, desde sempre, moldou a sua existência para estar, animar, ajudar, aconselhar e indicar caminhos de bem, de verdade e de vida digna aos que com ela conviviam ou dela se aproximassem em momentos de fragilidades humanas ou de pobreza extrema. 
A Dona Luz, que tivemos a felicidade de acompanhar em muitas ações, dando-lhe o apoio incondicional quando alguns lho recusavam, foi, para imensa gente, um pouco de todo o país, uma mãe solícita, uma crente fervorosa, uma católica empenhada na comunidade e, sobretudo, um testemunho, no meio da sociedade e em todas as circunstâncias, como seguidora incondicional de Jesus Cristo e da Sua Boa Nova que haveria de revolucionar a nossa era, a era cristã, tão simplesmente pelo mandamento novo que nos deixou: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.”

24 horas na paz da montanha

Golfinho 

Aldeia típica

Penedo 

Espigueiro

Como homem do mar e da ria, pisando chão plano, sempre sonhei, desde menino, com a magia da serra. Anos e anos olhei para as silhuetas das montanhas, bem visíveis em dias claros, com sonhos de um dia sentir ao vivo a paz dos montes, rodeado do silêncio e da verdura da floresta virgem. Já crescido, recordo os meus primeiros contactos com a serra e senti muitas vezes, ao longo da vida, o sortilégio da montanha, onde vou quando posso. E o mais curioso é que, quando a visito, novas sensações me invadem a ponto de alimentar, nem sei porquê, projetos inviáveis de me fixar nos montes de vidas mais calmas e da tranquilidade absoluta que me aproximam de modo diferente do espiritual.
Por 24 horas, fui mais uma vez ao Caramulo, onde há recantos aparentemente nunca vistos. Recantos que vamos descobrindo e redescobrindo em cada esquina, sobretudo em aldeias quase despovoadas, que estão carregados de história e de estórias que são, sem dúvida, riqueza que não pode continuar ignorada.
Dia de chuva, ora miudinha ora pesada e agressiva, com nuvens negras a indiciarem o Inverno que oficialmente ainda vem longe, as 24 horas que passei na serra proporcionaram-me uma paz interior que foi saboroso viver. Da janela da casa que me acolheu, fui contemplando a floresta que os fogos de Verão, felizmente, não têm mutilado nem nunca, ao que soube, transformaram em montanha de cadáveres hirtos e ressequidos. Nem carros acelerando e chiando nas cursas, que as há por ali, nem cães que ladram e gente que grita, nem altifalantes que anunciam aos berros arranhados a próxima festa, nem aviões em exercícios mecânicos e enfadonhos, nada perturbava o sossego da montanha que vivia, tranquilamente, a sua existência milenar.
Dei comigo a prescindir da música armazenada para ouvir o silêncio apenas perturbado, docemente, pela chuva miudinha que teimava em cair, senti o prazer de conversar ignorando a caixa mágica que mudou e moldou o mundo, deliciei-me com a sesta reconfortante, apreciei um conto da escritora Flannery O’Connor que me deixou emocionado…
Passeei por ruas tortuosas despidas de gente, olhei com curiosidade para a toponímia da terra, parei na fonte que corria ininterruptamente, decerto há séculos, admirei a vegetação espontânea que tudo cobre, ouvi estórias de gente que trabalhou e que sofreu, aprendendo na vida a vencer obstáculos e a ser feliz.
As nuvens acompanharam-me neste andar e neste estar, alimentando, com as suas correrias mágicas, ao sabor do vento, os meus sonhos, que nunca me abandonaram, de um dia correr mundo, como elas...
E tudo isto, e muito mais, graças a bons amigos que sabem muito dos meus sonhos e dos meus gostos.

Fernando Martins

Nota: Escrito em outubro de 2006

D. João Evangelista na revista "Ilustração Moderna"

Entrada em Vila Real 
como Arcebispo-Bispo da Diocese

Descendo do comboio na Estação de Vila Real
A  caminho da Câmara Municipal 
Depois da receção na Câmara

Discursando na sé de Vila Real
Não tive a dita de falar com D. João Evangelista de Lima Vidal, nem antes nem quando foi Arcebispo-Bispo de Aveiro e grande impulsionador da restauração da Diocese de Aveiro. Faleceu em 1958, tinha eu 20 anos, mas nessa altura os bispos, por muito humildes que fossem, viviam um tanto ou quanto isolados, julgo eu. Cruzei-me com ele em algumas cerimónia, ouvi-o falar, mas palavras com ele nunca troquei. Hoje sinto essa mágoa, por muito apreciar, desde há bastante tempo, a prosa poética em que foi mestre consumado. Pertencem a D. João os mais belos escritos sobre Aveiro, região e suas gentes. 
Alguém de Aveiro, que por ele tinha grande afeição, tanto quanto sei, tinha o gosto de guardar publicações que se referissem a D. João, entre outros. Uma dessas publicações, "Ilustração Moderna", refere a entrada de D. João em Vila Real como Arcebispo-Bispo, no número 11, março de 1927. Aqui deixo as fotos, de má qualidade, que o meu scanner não consegue melhor.

Nota: As fotografias serão substituídas depois de reeditadas...

Na eira do avô dos Ribaus



Confesso que não sei o que é que estávamos a apreciar na eira do avô dos Ribau Teixeira. Da esquerda para a direita, Manuel Ribau, João Ramos, eu próprio,  Nelson e o Diamantino. Estaríamos a apreciar fotografias? A foto deve ter sido tirada pelo Ângelo (também já falecido) que era normalmente o mestre fotógrafo.
Grandes tempos de grandes e duradoiras amizades que nem a morte de alguns consegue apagar das nossas histórias de vida.
Os encontros à volta dos Ribaus era normalíssima, não apenas pelo convívio que todos desfrutávamos, mas também pela música que animava toda a gente. O Manuel tocava violino, o Ângelo viola, o Plínio bandolim ou banjo e o Diamantino guitarra. Havia outros que se juntavam a este grupo onde só eu não conseguia acertar nos sítios certos para as notas saírem afinadas.
À falta de habilidade para as cordas e para os acordes, vi-me obrigado (ou talvez fosse esse o meu destino) a optar pela leitura da boa biblioteca do avô dos Ribaus, Manuel Ribau Novo (veio a ser a alma da construção a nossa igreja matriz), e dos seus filhos, Diamantino da Cruz Ribau, que veio a ser padre, e Josué da Cruz Ribau que se formou em Matemática, tendo sido professor no Liceu de Aveiro. Estes últimos faleceram muito novos.
Repare-se na postura dos fotografados. Engravatados e bem penteados. Eu ainda não era careca.

Egas Moniz na estação do Porto

  Quando vou ao Porto, a capital do Norte, lembro-me com frequência dos painéis que decoram a sala de entrada da Estação Ferroviária. Nunca ...