Caldeira do Forte da Barra


Sou deste tempo, sim senhor. Recordo perfeitamente a caldeira e o pavilhão para proteger algumas embarcações. Também recordo os trabalhadores que nas barcaças transportavam as lamas ou lodos que as dragas arrancavam do leito da laguna. Nas margens, cada trabalhador tinha de descarregar a barcaça à pazada. Corpos e roupas pretos ao jeito de quem mergulhava na lama. Trabalhos duros e sujos que a nossa juventude nem imagina.  Trabalhos de escravos em pleno século XX. 

Fonte: aqui

Conjunto - Guitarra e Fadistas


De vez em quando saltam-me das gavetas da memória registos como este, provavelmente da década de 90 do século passado. E não resisto... Os irmãos Serafins, sempre eles, com Maria de Fátima e Maria Alzira. Do Manuel e do José Maria sei que a guitarra e a viola continuam afinadas. Das fadistas nada sei. Mas seria interessante que um dia destes se juntassem para uns fados e guitarradas.

Bons tempos

Em que década?
Fotos tiradas de ângulos diferentes,
provavelmente no mesmo dia 


Porto de Pesca - Cale da Vila
Porto de Pesca - Cale da Vila
Bons tempos eram estes, representados por uma foto que andava por aqui perdida numa caixa. Bons tempo porque havia navios para a pesca do bacalhau e outros, oferecendo trabalho e pão para muita gente. Dava gosto sentir a azáfama para que o mais depressa possível tudo ficasse operacional para mais uma campanha de pesca nos mares frios da Terra Nova e da Gronelândia. Havia ausências, mas não faltava o pão para muitas famílias. Trabalhos duros de roer, é certo, mas os homens do mar eram corajosos.

Nossa Senhora Aparecida em Calvão, Chaves




Há anos, as nossas férias mais gostosas eram vividas em Chaves, em casa de casal muito amigo, Maria Nazaré e António Fernandes. Chegámos a trocar as nossas casas. Nós íamos para Chaves e eles vinham para a Gafanha da Nazaré. Bons tempos, que recordo de vez em quando, direi melhor, com muita frequência.
Normalmente, estas trocas aconteciam em agosto. Daqui saímos todos, eu, a Lita e os filhos, Fernando, Pedro, João Paulo e Aidinha. Se eu escrevesse Aida ela ia ficar já toda abespinhada. E eles vinham com os filhos Pedro, José Carlos e Vitor. Infelizmente, as memórias passam a registar tristezas. Já faleceu o António Fernandes e o José Carlos, na flor da vida. Continuam, porém, a encher a nossa alma.
Permitam-me que recorde que a Maria Nazaré foi professora na Escola da Marinha Velha, de quem muitas alunas me falam com saudades desses tempos.
Em Chaves passeávamos muito e hoje, quando remexia uma caixa de fotos, deparei-me com duas tiradas na Senhora Aparecida. Não tem a data, mas nota-se que a Lita era um pouquito mais nova. Vê-se bem.
Contudo, o mais engraçado é que uma placa, aplicada em 1990, diz que Nossa Senhora  Aparecida ali se terá cruzado também com três pastorinhos, em 1833, muitos anos antes de o ter feito em Fátima. Mas aquela, apesar de ter suscitado peregrinações e devoções, nunca terá chegado à fama e projeção da Nossa Senhora de Fátima, na Cova da Iria.

Praia da Barra em dia luminoso






Hoje quebrei alguns hábitos de comodismo. Levantei-me cedo e abalei tranquilo para a Praia da Barra. Para caminhar, olhar à volta, apreciar o que há e se faz, inspirar a maresia e sentir o prazer de gozar um dia luminoso. Luz, mais luz, ausência de vento, pouca gente nas ruas, uma ou outra no areal, dragas que passam para a remoção do que possa prejudicar a navegação, numa barra que sempre precisou destes cuidados, desde que Luís Gomes de Carvalho rebentou com a ponta da bota a já ténue barreira que separava as águas do oceano e da ria. 
Entrei pela primeira vez, depois do restauro e ampliação, no mercado da Barra, passei pelo Parque de Campismo onde inúmeras vezes fui feliz com a Lita e filhos, olhei para a capela de São João que tem por companhia Santo António. Lembrei as festas e a romaria que no dia próprio se faziam ao santo popular que, milagrosamente, eliminava os cravos que surgiam nos dedos do pessoal. Tanto cravo que era oferecido ao santo… 
O povo, de perto e de longe, passava em fila indiana pela minha porta. E eu também lá fui com minha mãe e irmão, mesmo sem cravos nos dedos.
A Barra estava realmente com pouco movimento. Lojas fechadas, casas à espera de quem as ocupe para férias, o farol a encher os nossos horizontes, a fonte, qual pobre e esquecido monumento, sem torneiras nem água, que agora toda a gente prefere a dita engarrafada, os parques de crianças sem vivalma, as esplanadas à espera da hora da bica. 
Olhei o areal e tentei recordar a primeira vez que pisei a praia. Não faço ideia… Só me veio à memória, retrocedendo bem no tempo, um livro que li, estendido na areia durante umas tardes, de Joaquim Paço d’Arcos, “Memórias duma nota de banco”, editado em 1962… Tinha eu 24 anos. 
Os meus amigos hão de estranhar, mas na minha infância não havia muito a tradição de frequentar regularmente as praias. Quando muito, no verão, aos domingos, lá se ia até ao mar para saborear uma merenda… Uns anos depois, já mais crescido, a praia tornou-se predileção da juventude, e não só. Só que eu, por ter adoecido gravemente dos pulmões, fiquei proibido de respirar os ares húmidos do mar. Outros tempos. 

Fernando Martins

Evocando o nascimento do meu primogénito

Bebé
Quando sonhava ser craque de futebol
50 anos


Faz hoje 50 anos. Era uma hora da manhã. De um quarto do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro sai um choro que se tornou estridente e aflitivo, caindo no meu coração. Senti a alegria, a emoção e a certeza de que era pai. Nasceu o meu primogénito. O que veio a ser e é na vida o meu Fernando. 
Corri eufórico para o quarto. Já estava na sua primeira cama, ao lado da Lita, que me olhou com a ternura estampada no rosto. E eu fiquei sem fala. As dores passaram à história, mas a história continua e continuará. E a eternidade, minha e da Lita, ficou quase garantida neste mundo terreno. Outros filhos vieram: O António Pedro, a quem nunca chamei António; O João Paulo, que desde há pouco não prescinde do João; e a Aida Isabel, a nossa Aidinha. Um dia chamei pela Aida e ela ripostou: — Aida? Eu emendei logo: — Aidinha… desculpa. E a família ficou completa. Até que surgiram os netos: Filipa, Ricardo e Dinis. E a família ficou muito mais rica e muito mais divertida. Às vezes os filhos e netos dão-nos mais trabalho, é certo, mas quando não aparecem é uma tristeza. 
O Fernando nasceu com dificuldade. Tão aconchegado estava no seio materno que nem vontade tinha de vir para este mundo, não sei se por preguiça se por medo, se pelo barulho que terá ouvido vindo de fora se por receio do que estaria para vir, se por ter sido interrompido na hora da sesta ou do jantar. O futuro é incógnito. E quando chegou gritou que se fartou. Foi tirado à força, a ferros, como se dizia. Estranhou o frio, as fraldas e roupinhas deviam provocar-lhe cócegas, sentia-se desconfortável e ainda hoje valoriza o conforto. Não é pecado gostar de estar bem sentado a ver o seu FCP, que o tem irritado os últimos anos, para ele não ser vaidoso. O vaidoso nunca vai longe.
A sensação de paternidade e maternidade não tem explicação. Não há palavras nem teorias nem conceitos nem ciências nem artes que nos descrevam o amor, a alegria, a ternura, o prazer, a beleza e a felicidade que sentimos em todos os momentos de nos darmos aos filhos e aos netos. Há tristezas, desgostos, doenças, mas os pais acreditam sempre que depois da tempestade vem a bonança.
O meu Fernando Manuel, o Fernando ou Fernandinho como o tratamos ou como alguns o tratam (Há até quem se dirija ao Senhor Fernandinho) está pois de parabéns. Já passou das boas: Tentou a emigração, andou pelos hospitais, não evitou o enfarte, deixou de fumar (mas fala todos os dias do cigarro! Há dias andava irritadíssimo e saiu-se com esta: — Isto com dois cigarros passava.). É sina sua, mas creio que não mais voltará a perder o juízo. E neste dia, 18 de maio, tenho a certeza de que vamos brindar à sua saúde. Parabéns, Fernando.

18-V-2016

As tias da Lita

Aida, Zulmira e Lourdes, 
as Oliveiras de Pardilhó
Aida, Zulmira e Lourdes
Aida, Zulmira e Lourdes eram conhecidas em Pardilhó, Estarreja, pelas Oliveiras. Filhas de Manuel Válega e de Ana Oliveira, as duas primeiras nunca casaram e a terceira casou tarde com António Fonseca de Pinho. Não tiveram filhos, mas assumiram  a sobrinha Hélia como filha. A Hélia era filha de Ismael Válega de Oliveira e Silva e de Maria da Luz Almeida Ramos, mas nunca viveu com eles, por razões várias.  
A Aida, conhecida por Aidinha, morreu cedo, aos 61 anos, com problemas cardíacos, ao tempo de tratamento difícil. Sempre olhei para esta tia como se fosse, e era, realmente, uma santa na verdadeira aceção da palavra: Alegre, disponível, desprendida, generosa, amiga de toda a gente, atenta aos doentes e a quem sofria. Quando anunciávamos a visita semanal, desfazia-se em amabilidades, nunca faltando as guloseimas para as crianças, que tinham pela  tia Aidinha uma adoração especial. 
A do meio, a Zulmira, era a líder do grupo. Nada se fazia sem ela dar o seu sim… Discutia as nossas decisões até acertarmos o passo com as suas opções, quando possível. Como madrinha da Lita, tudo queria orientar, qual maestrina de quem a orquestra dependia. Justa consigo própria e com os demais, cumpria rigorosamente os preceitos religiosos em que fora educada. Tal como as outras tias, diga-se de passagem.
A Lourdes era comerciante nata. Tinha em Aveiro, na Avenida Lourenço Peixinho, uma loja de fazenda e roupa interior, denominada “Lourdes de Pardilhó”. Consigo colaborava o marido, ex-emigrante no Brasil. E foi também responsável pela educação da Lita, inscrevendo-a no Colégio do Sagrado Coração de Maria que ficava perto de casa. 
A Lita, contudo, ia todos os fins de semana a Pardilhó, onde era uma menina mimada. Aí, já sabia que tinha de ouvir as recomendações da madrinha, alinhando logo que possível com os mimos e brincadeiras da Aidinha. A Zulmira era a educadora; a Aida era a cúmplice das brincadeiras.
Os nossos filhos deliravam quando íamos a Pardilhó. No carro até cantavam felizes por saberem quanto eram amados pelas tias. Olhavam para a Zulmira como quem olha para uma chefe e para a Aida como uma amiga muito próxima, que tudo aceita com uma alegria esfuziante. 
Ainda hoje, passados tantos anos, os nossos filhos a recordam com muita saudade. Tal como nós.

Etnográfico da Gafanha da Nazaré — O ti Retinto

O amor às tradições

O ti Retinto ao centro
Parece que ainda o estou a ver, já com os muitos anos de vida a marcarem-lhe o rosto. O senhor Manuel Retinto, mais conhecido por ti Retinto, estava ali, no palco do salão paroquial, a ouvir a conversa. Não falava mas estava atento e sempre de sorriso nos olhos. O pessoal queria saber o que é que se dançava e cantava antigamente. E o ti Retinto a ouvir… calado. 
Um do lado questiona-o:
— Ó ti Retinto, mas afinal como era? 
— Era a Farrapeira… 
E começou a dizer a letra… e a malta a repetir 
— E a dança?
— Querem ver?
Vai daí, chama a ti Maria Sarabanda e foi uma alegria ver aquela gente a dançar e a cantar a valer. O ti Retinto já era outro.
Num desses ensaios, que decorriam pela noite fora, o autor destas linhas ficou encarregado de levar o tio Retinto a sua casa. Reparou então que ele transpirava por todos os poros, tal foi o esforço despendido a cantar e a dançar.
— Será que este esforço e o suor não lhe vão fazer mal? — perguntei.
— Não pense nisso! — respondeu prontamente. E acrescentou: 
— Quando chegar a casa, com um bagaço, fico pronto para outro ensaio.

NOTA: 
Hoje, ao arrumar papelada para arranjar espaço, encontrei esta e outras fotografia. A que publico aqui tem o seguinte registo: «O Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré nasceu nesta festa da Catequese de 1980/81. Como cantador, que se vê ao centro, o Tio Retinto.

Milagre Botânico

Roubaram-me a bicicleta 

O velho Esteiro Oudinot
A revista "Aveiro e o seu Distrito", que já não se publica, leva-me a visitá-la de quando em vez para ficar a saber um pouco mais da história da nossa região. No seu número 23/25 de 1977/1978, a ilustrar um texto, tem esta foto com a legenda que aqui deixo. Como curiosidade, há o facto de se reconhecer, há 38 anos, como milagre botânico, a existência de vegetação com água salgada por todos os lados. Isto concluo eu.
Por ali andei vezes sem conta para  apreciar o jardim. E pela estrada, que dá acesso ao Forte da Barra, andei a pé, de bicicleta e motorizada para apanhar a lancha que me levaria a São Jacinto, onde lecionei.
(...)
Costumava deixar a bicicleta encostada a um qualquer passeio, junto de muitas outras de trabalhadores do Estaleiro e da Base Aérea. Ninguém costumava mexer. Penso que não havia tantos ladrões como agora. Mas um dia, quando saltei da lancha, a dita bicicleta não estava no sítio em que a deixara. Roubaram-ma, disse para comigo. E comecei a caminhar pela estrada que ladeia o Esteiro Oudinot, rumo a casa.
De repente, um militar da Base passa por mim, em direção ao Forte, montado na minha bicicleta. Interpelei-o de imediato... e o rapaz lá confessou que precisara de ir a Aveiro. Julgava, dizia ele, que chegaria a tempo...
Pedi-lhe que se identificasse, o que ele fez muito humildemente, e eu disse-lhe quem era.  E  acrescentei que iria participar dele ao comando da Base. Disse isto só para ele medir o mal que tinha feito. Ele quase chorava... e eu fiquei com pena do rapaz.
Umas duas horas depois bate à minha porta alguém. Fui ver e era o rapaz com um sargento, que me suplicou que não participasse do militar, porque iria deixar a tropa por esses dias. Se eu avançasse com a queixa, não sairia tão cedo e certamente ficaria com a caderneta suja. É claro que os tranquilizei.

Visita Pascal na Gafanha da Nazaré


Vídeo de Humberto Rocha 

Ausente da Gafanha da Nazaré na semana da Páscoa, não pude receber, como é da tradição, a Visita Pascal. Confesso que senti a falta do grupo que anuncia a alegria de Cristo Ressuscitado, razão de ser da nossa fé. A vida, no entanto, gera estas situações. Contudo, não deixei de pensar na tradição que se inculcou no meu espírito desde que passei a registar os acontecimentos e vivências na minha memória, já lá vão uns 70 anos.
Nos meus tempos de menino e durante décadas a Visita Pascal era presidida pelo próprio prior, acompanhado de alguns adultos. Um levava a Cruz enfeitada com Jesus crucificado, outro a caldeirinha de água benta e um terceiro um cesto de razoáveis dimensões para recolher os ovos do folar destinado ao pároco. Quando o cesto ficava cheio, os ovos eram deixados em casa de um freguês, que se encarregava de no dia seguinte os entregar na residência paroquial. Algumas famílias ofereciam uns bolinhos com um cálice de Vinho do Porto e na hora do almoço (antigamente dizia-se jantar) havia mesa posta para uma refeição festiva, tradição que se mantinha de ano para ano. 
A Visita demorava o domingo, de manhã à noite, e continuava na segunda-feira e no domingo de pascoela. Mais tarde recorria-se a padres não párocos, para tudo se fazer mais rapidamente. As famílias, maioritariamente, abriam a porta da sala, onde o pároco aspergia os presentes com água benta, abençoando as pessoas presentes. O acompanhante do cesto recolhia os ovos.
Nesses tempos, os párocos recebiam para seu sustento a côngrua, um contributo das famílias em géneros agrícolas ou dinheiro, neste caso se não fossem agricultores. E ainda o folar da Páscoa. Os ovos eram vendidos a comerciantes já habituados a essas operações.
Com o crescimento demográfico, tornou-se impossível ao pároco visitar toda a gente, pelo que nasceu a ideia de organizar grupos que levassem a Boa Nova da Ressurreição aos paroquianos. Tudo ficou mais fácil. E os ovos passaram a ser substituídos por uma importância pecuniária. Os grupos preparam uns cânticos e oferecem uma pagela com uma oração alusiva, que todos rezam com as pessoas da casa. As famílias costumam assinalar o gosto de receber a Visita Pascal com uns verdes que colocam junto à porta de entrada. 
Os tempos, porém, vão perdendo estas tradições. Os católicos, embora em maioria, já não estão tão vinculados a estes gestos festivos e há muitos indiferentes, de outras religiões, emigrantes e ainda ateus a quem os atos de culto não dizem nada, como se compreende.

Egas Moniz na estação do Porto

  Quando vou ao Porto, a capital do Norte, lembro-me com frequência dos painéis que decoram a sala de entrada da Estação Ferroviária. Nunca ...