Protestantismo na Gafanha da Nazaré


Manuel Vilarinho foi pioneiro entre nós

Na década de 40 do século passado, por iniciativa de Manuel Maria Fidalgo Vilarinho, as ideias evangélicas relacionadas com correntes cristãs desligadas da Igreja católica, mais conhecidas por protestantes, entraram na Gafanha da Nazaré de forma mais sistemática. Graças à militância dos seus membros, depressa ganharam expressão entre algumas famílias até aí católicas, vindo a construir um templo que ficou concluído na década seguinte e que se mantém.
Manuel Vilarinho foi catequizado por Arlindo Tavares, de Aveiro, também ele dinâmico obreiro do protestantismo. Porém, o nosso conterrâneo não ficou enquadrado por qualquer grupo protestante, porque entendia que Jesus Cristo não fundou nenhuma Igreja. Estando assim desalinhado durante alguns anos, aquando da construção do templo sentiu-se “obrigado”, por razões legais, a entregar a sua administração à Igreja dos Irmãos.

13 de maio pela rádio em casa do senhor João Catraio



Teria os meus seis anos quando vi e ouvi, pela primeira vez, um rádio. Na altura chamavam-lhe telefonia. Foi na casa do tio João Catraio. Num dia 13 de Maio, para ouvir as cerimónias de Fátima.
Mulheres e filhos sentados no chão, numa sala onde a telefonia era rainha, ali se ouvia o que decorria no Santuário de Fátima, com a missa celebrada em latim. Um padre fazia os comentários e um locutor, como então se dizia, dava explicações do que estava a acontecer. O tio João, sentado ao lado do rádio, de quando em vez acertava a sintonia. Pelos vistos, as ondas sonoras desviavam-se do aparelho e era preciso estar atento, para não se perder pitada do que lá longe se celebrava. 
Na sala, ao lado das pessoas sentadas no chão, estavam a mulher Carolina e as filhas, Maria e Clementina (gémeas), estas mais atentas ao que se passava e à espera de quem viesse para ouvir a transmissão daquele santuário.

Considerações sobre o Natal




Encontro

Numa antecipação marcada pela vivência natalícia de décadas, felizmente sempre no seio da família, é saboroso perspetivar o NATAL  com muito de bom que há-de ficar na história pessoal de cada um. O encontro adivinhado na casa-mãe, com todos os membros da família a partilharem as alegrias próprias da quadra, onde os desejos de uma felicidade abençoada pelo Menino-Deus se pressente nos olhares de todos, é sinal de que tudo se conjuga para se reforçar o laço da ternura que almejamos.

Aperitivos

Na hora dos aperitivos lá estão, efusivos, os cumprimentos afetuosos, como se não nos víssemos há muito tempo. Uma ou outra queixita, mais dos menos jovens,  gestos carinhosos dos mais sensíveis, palavras amigas de circunstância, uma ou outra recordação de tempos idos, um olhar ternurento para o Presépio que vem dos avós. Ao lado, para os lados da cozinha, atarefados, lá está quem assumiu os preparativos finais por que todos esperam: mesa posta, pratos tradicionais, tudo enfeitado por decoração alusiva à festa da Família, com o Menino-Jesus a contemplar, enternecido, a harmonia familiar. Estou em crer que chega mesmo a sentar-se à mesa, num dos lugares vazios de há anos a esta parte. Tudo se conjuga para que o NATAL seja o reflexo do espírito que a Igreja nos tem ensinado a viver, não apenas nesta quadra, mas durante toda a vida.

Natal da Esperança


1. Disposição do espírito que induz a esperar
que uma coisa se há-de realizar ou suceder.
2. Expetativa.
3. Coisa que se espera.
4. Confiança.
5. Religião: Uma das virtudes teologais.


Dos dicionários


1. Para os cristãos, a esperança é mola-real da fé, que Deus não deixará de oferecer aos homens e mulheres de boa vontade. Predispondo-se a recebê-la, cada um dos que buscam o Todo-Poderoso precisa de cultivar o dom da espera, que também é, ano após ano repetido por esta altura, uma excelente ocasião que a Igreja nos proporciona para revivermos a esperança alguma vez já experienciada. Daí a beleza da quadra natalícia que atravessamos e que nos faz sentir que a meta esperada está à porta do presépio de Belém, onde a humildade humanizada nos aproxima indelevelmente uns dos outros.
A esperança, a tal disposição do espírito que nos induz a esperar que uma coisa se há-de realizar ou suceder, não é atitude espontânea e passiva. Muito menos inata. Ela precisa de ser aprendida e cultivada, educada e alimentada, para se tornar paciente e consciente de que Aquele que há de vir se sinta bem em nós e connosco, alargando-se ao mundo inteiro, como reflexo da Estrela de Belém que a todos ilumina e aquece.

Subsídios para a história das mulheres da Gafanha



Mulheres da Seca do Egas 

As mulheres da Gafanha merecem um estudo profundo sobre o seu papel na construção das povoações e das comunidades desta região banhada pela Ria de Aveiro. É certo que alguns estudiosos e escritores de renome já se debruçaram sobre elas, cantando loas à sua tenacidade e coragem, mas também ao seu esforço, desde sempre indispensáveis na luta de transformação de areias improdutivas em solo ubérrimo. Há décadas, e é sobre essas mulheres que nos debruçamos, elas eram as mães solícitas e amorosas dos filhos, mas também os “pais” que garantiam o sustento da casa, enquanto os maridos se aventuravam nas ondas do mar na busca de mais algum dinheiro que escasseava em terra. 
Em jeito de desafio a quantos podem e devem, pelos seus estudos e graus académicos, retratar as nossas avós, com rigor histórico, já que, hoje e aqui, não há lugar nem tempo para isso, apenas indicamos algumas pistas, que há mais de 50 anos nos foram oferecidas por Maria Lamas, na célebre obra “As mulheres do meu país”, que viu há pouco a luz do dia em 2ª edição, numa iniciativa da “CAMINHO”, e que tão esquecida tem andado.

JÚLIO DINIS PASSOU PELA GAFANHA

De vez em quando, sabe bem reler os clássicos da nossa literatura, nem que daí resulte algum prejuízo, momentâneo embora, para os escritores e escritos mais na berra. E foi isso que me levou, há tempos, a procurar na estante, algo desarrumada, um livro talvez pouco lido, a não ser por curiosos ou estudiosos das coisas literárias. Refiro-me a “Cartas e Esboços literários” de Júlio Dinis, com prólogo do célebre Egas Moniz, sábio que ao mundo e ao Homem muito deu no campo da medicina, mas que ainda encontrou tempo e disponibilidade interior para se dedicar a estudos sobre literatos e questões literárias, com a mesma paixão com que dissecava o cérebro humano em busca de verdades até então ignoradas.
Uma das cartas, agora lida com outro sabor, talvez pelo ambiente que quis e soube criar, referia-se à Gafanha, é certo que de fugida, em termos que me apetece repetir para que não caiam no esquecimento.
Reza assim, na parte que interessa, a missiva dirigido de Aveiro, em 28 de Setembro de 1864, a seu amigo Custódio Passos:

A NOSSA GENTE: PADRE LÉ



Um dia destes, de calor de Verão em pleno Outono, fui à procura do meu amigo e antigo confidente Padre Manuel Ribau Lopes Lé, mais conhecido por Padre Lé, que serviu a Igreja na Gafanha da Encarnação até há pouco tempo. Sentado num sofá, recebe-me de olhos bem abertos. Os olhos que sempre lhe conheci. Cedo, porém, percebi que o Padre Lé, com o peso dos 87 anos de idade e das canseiras, de mistura com recentes achaques, estava fragilizado. 
A recomendação que me acolheu indica que a memória recente tinha dado lugar à mais antiga, para onde ele encaminha, já com alguma dificuldade, as conversas sobre a sua vida sacerdotal. 

Egas Moniz na estação do Porto

  Quando vou ao Porto, a capital do Norte, lembro-me com frequência dos painéis que decoram a sala de entrada da Estação Ferroviária. Nunca ...