Budismo - A busca da serenidade plena



Margarida Cardoso, da União Budista Portuguesa, esteve no CUFC (Centro Universitário Fé e Cultura), na quarta-feira [3 de abril de 2006], à noite, para falar sobre Budismo. Com uma sala cheia, presidiu à “conversa” Alexandre Cruz, director daquele centro, que salientou a premência de todas as religiões e filosofias se unirem para a defesa de uma ética universal. Moderou António Martins, docente da Universidade de Aveiro, que sublinhou a importância de conhecermos outras formas de pensar, para convivermos com os outros, sendo mais tolerantes.
O primeiro desafio para se perceber o Budismo partiu de um convite, original entre nós, lançado pela palestrante: “Sentados comodamente, mãos sobre os joelhos, olhos fechados; vamos sentir o ar a entrar e a sair pelas narinas; vamos ouvir o barulho da sala… e agora o silêncio; deixemos entrar os pensamentos…”. Isto, porque o Budismo é essencialmente uma filosofia de vida, uma prática enriquecida por experiências de meditação, um estado de consciência límpido, luminoso, de compaixão e de sabedoria, frisou Margarida Cardoso.
A convidada do CUFC recordou que Buda, meio milénio antes de Cristo, abandonou os prazeres para procurar a iluminação, que só será conseguida através da atenção que prestarmos a “grandes verdades”, as quais nos conduzem à libertação interior absoluta. Disse que o sofrimento tem origem no desejo, que a eliminação do desejo leva ao fim do sofrimento, e que, quando atingirmos esta fase, ao longo de uma caminhada de intenções, acções, recolhimento e concentração puros, alcançaremos o nirvana, ausência total da dor, meta perseguida pelos budistas.
Questionada sobre o dia-a-dia, entre os ocidentais, da vivência budista, Margarida Cardoso referiu que todos têm “vidas normais, com casa, família e trabalho”. Reúnem-se para meditar, para se tornarem “mais conscientes do momento presente”, tendo sempre em conta a busca das “boas relações com as pessoas”, o interesse por tudo quanto os rodeia, segundo uma ética assente na positiva. “Não basta não roubar; temos de ser generosos”, adiantou. “Os budistas ultrapassam com mais facilidade as situações de stresse, porque aprendem a relaxar nos encontros de meditação, também conhecidos por yoga”, disse.
Sobre a vida para além da morte, Margarida Cardoso afirmou que defendem o renascimento, que definiu como “ciclos de existência sem fim”. Referiu que, quando nós morremos, “se é que morremos”, o que vai permanecer são “marcas, fluxos de energia e de consciência, que são a nossa continuidade, o nosso renascimento”. Não aceitam Deus, nem qualquer ente criador, “porque o grande arquitecto é a mente humana”, sublinhou. Mas também não são dogmáticos, até porque há imensos mestres e escolas budistas que têm, como matriz comum, tão-só a procura da perfeição, que conduzirá à iluminação, ao nirvana, que é, afinal, a serenidade plena.

Fernando Martins

Publicado no Correio do Vouga em 3 de abril de 2006

Sugestões de férias para os meus amigos



Quem nasceu e vive com o som do mar a embalar o seu adormecer, e sente, ao acordar, as ondas a espraiarem-se nas dunas, não pode deixar de sonhar, também, com a silhueta dos picos da serra, que ao longe nos desafia. A primeira vez que fui à serra, e à medida que me aproximava dela, os meus olhos de menino pouco viajado ficaram deslumbrados. Senti um não sei quê na alma, um prazer inexplicável que ainda hoje, tantos anos depois, é um mistério no meu espírito. À serra vou sempre que posso e às vezes até juro a mim mesmo que um dia por lá hei de ficar uns tempos largos, para calcorrear montes e vales, entre vegetação luxuriante ou entre penedos com formas estranhas de figuras fantásticas que enriquecem o imaginário de qualquer um.
Há dias fui ao Caramulo à procura desses ares límpidos, alimentados, e de que maneira, pelo verde que tudo enche, ao som de regatos que deslizam do cimo dos montes, por entre pedregulhos que amplificam o cantar da água saltitante que apetece beber a toda a hora. E quando a sede aperta, como apertou depois de um almoço de vitela assada que só por ali tem um sabor como em nenhuma outra parte, então foi um regalo beber uns bons copos de água de fonte natural, recebida em bilha de barro vermelho que a tornou mais fresca.
Campo de Besteiros, São Tiago de Besteiros, Guardão, Janardo, Pedronhe e Cabeço da Neve foram alguns recantos da Serra do Caramulo que uma vez mais pude contemplar em dia partilhado com amigos que não esconderam o sortilégio que estas terras transmitem a todos os que chegam. Ruas e estradas amplas ao lado de ruelas empedradas que lembram tempos ancestrais, histórias de lutas travadas entre íncolas serranos e povos invasores, casario a cair de podre porque gente teve de emigrar, habitações com sinais de quem regressou à terra depois de muito trabalhar e de lutar na estranja, sanatórios abandonados porque os tuberculosos já se curam em casa, sem a ajuda dos ares puros da serra, de tudo um pouco se foi fixando na retina dos meus olhos, que nunca se cansaram de apreciar  miradouros naturais a paisagem a perder de vista.
Para os contemplativos, a Serra do Caramulo é uma bênção de Deus. Ali, longe dos habituais horizontes, sinto que a beleza não adulterada pelo mau gosto, em muitíssimos recantos, oferece a quem a visita a imagem do divino, que o céu contempla e abençoa com nuvens que batizam aspergindo tudo e todos.
A voz do silêncio que tantas vezes se fez ouvir, aqui e ali perturbada pela cantilena da água que descia apressada do cimo dos montes, à cata de gente que a saboreasse, ainda mais me convidava a cultivar a necessidade de voltar. O que farei sempre que puder, para encher os pulmões de ares puros e os pensamentos do aconchego do bem e do belo.
Proponho, ainda, a leitura de um livro, “Os poemas da minha vida”, de Marcelo Rebelo de Sousa. A edição é do “Público” e custa uns simples 6 euros. É-me sempre agradável apreciar a escolha de poemas feita seja por quem for. Como que sinto a sensibilidade e a alma de quem opta por este autor, por este ou por aquele poema.
Marcelo Rebelo de Sousa diz, no texto introdutório, que se decidiu por escolher poemas e poetas portugueses contemporâneos, do seu tempo. “Do tempo que vivi e vivo”, referiu.
Logo depois admite que terá ficado uma seleção “dececionante” do seu “tão significativo passado”, passado esse que nunca esquece. Ainda assim, diz que escolheu “o presente e o futuro”, na linha do seu “modo de ser”.
Por esta seleção de Marcelo passam poetas de Língua Portuguesa dos anos 50, 60, 70, 80 e 90, até hoje, que também proporcionam ao leitor, que gosta de poesia, momentos de encantamento.
O meu voto é que nas férias [de Natal ou noutras] que se avizinham muitos aproveitem para cultivar o espírito, na certeza de que o corpo também lucrará.
Proponho, ainda, um disco da minha conterrânea e amiga Jacinta: Tributo a Bessie Smith, com edição de Blue Note e aposta da TSF. Se não falarmos dos nossos valores, quem o poderá fazer? E não é a Jacinta a primeira artista portuguesa de jazz a ser editada pela Blue Note? Dela sublinha, José Duarte, a dicção, a força interpretativa e a sensibilidade. E a propósito de algumas interpretações de Jacinta, refere que é preciso ouvir, dar a ouvir e popularizar esta obra de arte.

Fernando Martins

Nota: Publicado no Correio do Vouga em 3 de abril de 2006

O Ângelo Ribau também nasceu neste dia em 1937



Há tempos, perguntaram-me o que é que mais me marcou quando estive doente e acamado durante a minha juventude. Respondi, sem hesitar, que, durante esse período da minha vida, fiquei a saber quem eram os meus grandes amigos, mas também quem eram os falsos amigos. Os falsos amigos procurei esquecê-los; os grandes amigos têm lugar muito especial nas minhas memórias e no meu coração. 
Hoje, vou referir-me ao Ângelo Ribau Teixeira, porque nasceu no dia 17 de novembro de 1937 e porque me visitava todos os dias, Deixou-nos, prematuramente, em 11 de agosto de 2012. Digo prematuramente porque, numa lógica natural, poderia, como eu, estar no mundo terreno a saborear a vida, falando, lendo e escrevendo, concordando com o que eu publicava, mas também discordando com aquela franqueza que o caracterizava, sem papas na língua, o que me obrigava, por vezes, a reconstruir o meu pensamento a propósito de certos temas.
O Ângelo foi desde muito cedo um apaixonado pela música, como os demais irmãos, mas também pela fotografia, o que o levou a procurar conhecer até ao pormenor a evolução da arte de fotografar e de revelar o negativo, seguindo de muito de perto as técnicas usadas por Niépce e Daguerre, nos meados do século XIX. E com que arte e paixão utilizava os produtos químicos, o vidro e nem sei que mais para finalizar na impressão em papel. Na guerra colonial, não dispensou o equipamento portátil para fotografar e revelar as suas fotografias. E ainda escreveu “Retalhos das memórias de um ex-combatente” e o “Marnoto Gafanhão”. 
O meu saudoso amigo facilitou-me, durante a doença, o acesso à biblioteca do avô materno e dos tios, Diamantino Ribau e Josué Ribau, o primeiro padre e o segundo professor da matemática, cujos livros “devorei”, que pouco mais podia fazer. Mas ele também por ali ficava, à beira da cama, lendo, lendo e conversando sobre tudo e mais alguma coisa, fechando a conversa, inúmeras vezes!, com uma gargalhada que ainda estou a ouvir.

Fernando Martins

Dona Luz Facica – 17 de novembro




Durante muitos anos, neste dia, 17 de novembro, tive registado na minha agenda um telefonema a fazer. A Dona Luz Facica, de seu nome Maria da Luz Rocha, celebrava o seu aniversário. Cumprido o ritual, com as saudações habituais, era certo e sabido que, uma semana depois, seria ela a telefonar-me com votos semelhantes, normalmente enriquecidos com expressões que despertassem em mim a importância e a necessidade de mais me aproximar de Jesus Cristo e da sua mensagem de Boa Nova para todo o universo.
A Dona Luz já faleceu e estará decerto no seio maternal de Deus, tranquilamente, revivendo e apreciando, em espírito, o fruto da sementeira de bem, de justiça e de caridade que espalhou na terra, em favor dos feridos da vida pelas injustiças dos homens. 
Recordo-a na sua simplicidade, no dom de se dar sem limites, na ternura contagiante com que lidava com todos, na coragem com que enfrentava os problemas dos que a rodeavam e dos que, de perto ou de longe, padeciam agruras e suportavam a custo a marginalização e a exclusão, quantas vezes das suas próprias famílias. 
Para ela, aqui lhe ofereço uma flor do meu jardim, com eterna saudade.

Fernando Martins

Orlando Padinha e a antiga igreja da Gafanha do Carmo

Orlando e esposa Rosa Maria 

Igreja anterior à atual

Orlando junto à maqueta da igreja antiga

Há tempo, visitei o meu parente e amigo Orlando Padinha e sua esposa Rosa Maria, durante a sua estada entre nós para umas férias merecidas e desejadas na sua terra-mãe. Como era de esperar das gentes das Gafanha, beneficiei de uma receção fraterna, marcada pela alegria do encontro que já não acontecia há anos. E a conversa prolongou-se sem muita pressa, apesar de eu ter compromissos inadiáveis horas depois. Evocámos os seus irmãos (Carlos, José Manuel e Conceição) e demais familiares, recordámos cenas do passado, sobretudo quando nossas mães, que eram primas direitas, se encontravam, ora na Gafanha da Nazaré ora na Gafanha do Carmo, e ainda falámos das nossas vidas e canseiras. Depois, foi a visita ao Cesário Apolinário, também parente e autêntico especialista em questões genealógicas que soube e aceitou partilhar comigo à volta do tronco comum. Mesmo acamado, espero que temporariamente, li no seu rosto a alegria de viver e o sentido profundo da descoberta dos nossos ancestrais. 
Em casa do Orlando e da Rosa Maria, apreciei o gosto pela decoração a partir de objetos de uso comum, há décadas, tudo ornamentado com fotos ampliadas dos que amam e os amaram. mas permitam-me que distinga o seu prazer pelos trabalhos manuais, em que é exímio, utilizando um manancial completo de máquinas e ferramentas, de causar inveja a muitas oficinas de serralharia e marcenaria. E não se ficando por aí, veio à baila a igreja paroquial, moderna e adaptada aos tempos litúrgicos da época em que foi construída, para substituir o velhinho templo que foi destruído para dar lugar ao atual. 
Durante a conversa, registei que a igrejinha continuava no seu coração... e com que ternura e saudade dela me falou! Vai daí, foi-me dada a oportunidade de dar de caras com uma miniatura em fase de construção, precisamente a igreja destruída, que ele deseja concluir, em maqueta, à escala, para a manter bem junto de si e dos seus. Tenho para mim que os emigrantes, longe da sua terra natal, carregam sempre consigo algo que lhes dê razões da sua existência, física e espiritual, porque eles, como todos nós, não são de pedra, têm sentimentos, emoções e memórias que se mantêm vivas, quiçá de forma mais expressiva, tornando-os mais apegados às suas matrizes. 
Um abraço para o parente e amigo Orlando Padinha e sua esposa Rosa Maria. 

Fernando Martins

NOTA: Segundo o Padre Rezende (Monografia da Gafanha), na Gafanha dos Caseiros, mais tarde Gafanha do Carmo, foi construída uma primeira capela, cuja data não conseguiu precisar, «mas que deve aproximar-se do ano de 1830 a 1840». Foi destruída e, em 1910, foi edificada outra de maiores dimensões, «a uns 450 metros mais ao poente e com orientação oposta à primitiva». Depois, veio a igreja atual, cuja história é conhecida, celebrando-se hoje, 17 de novembro, a sua inauguração e bênção.

FM

Egas Moniz na estação do Porto

  Quando vou ao Porto, a capital do Norte, lembro-me com frequência dos painéis que decoram a sala de entrada da Estação Ferroviária. Nunca ...