A Ponte da Cambeia



A Ponte da Cambeia era, na minha infância, o centro de muita vida. Ali esperávamos os barcos mercantéis que traziam, das feiras de Aveiro e da Vista Alegre, as mercadorias adquiridas pelos gafanhões. Eram entregues ao barqueiro, com sinais identificativos, e na hora combinada, conforme a maré, eram esperadas pelos seus donos. Nesta ponte e noutros locais das Gafanhas. Quando havia atraso, os barqueiros deixavam-nas ali mesmo, na certeza de que não haveria ladrões.
Na ponte, pudemos assistir a manobras arriscadas, em dias de temporal, com os homens do leme a orientarem as embarcações, com rigor, para passarem sem perigo. Nadava-se, conversava-se, atiravam-se piadas aos barqueiros, com perguntas ingénuas e algumas vezes maldosas: “Quem é o macaco que vai ao leme?”
Recordo-me, bem, da pesca do safio. Vara forte, com arame numa ponta. Preso tinha o anzol. Enfiava-se na toca onde se refugiava o safio e esperava-se que ele atacasse o isco. Depois, com força, puxava-se, puxava-se, que ele oferecia enorme resistência. 
Com estas lembranças, como não hei de ter pena de a Ponte da Cambeia ter morrido sem glória? 
Sei que não era uma ponte romana nem coisa que se parecesse. Mas era a nossa Ponte. Ponte do lugar da Cambeia, da Gafanha da Nazaré.

Fernando Martins

Recordando o Padre Jeremias Vechina

Texto escrito em 18 de agosto de 2009

D. Manuel de Almeida Trindade 
tinha grande admiração 
pelo padre Jeremias

Padre Jeremias (à esquerda) e seu irmão José Carlos


No domingo, participei na eucaristia das 11.15 horas, na igreja matriz da Gafanha da Nazaré, presidida pelo padre Jeremias Vechina, meu colega da escola primária, na já famosa, para os da minha idade, Escola da Ti Zefa. Não via o padre Jeremias há anos e gostei de estar com ele alguns minutos. Esteve doente há pouco tempo. "Desta safei-me", disse-me.
Também gostei da homilia que fez, com nível, ou não fosse ele um conhecido especialista em espiritualidade.
Quando cheguei a casa, veio-me à memória o tempo da escola. E dele recordei a alegria natural e permanente, bem como a facilidade com que fazia amizades com todos os colegas. Ainda recordei a sua caligrafia, com a inclinação para trás, ao contrário do que era habitual.
Depois, a minha memória continuou até que cheguei à admiração que D. Manuel de Almeida Trindade, que foi Bispo de Aveiro, tinha pelo padre Jeremias e pela sua cultura espiritual, como um dia me disse. E fui à cata de algum escrito de D. Manuel, onde essa admiração estivesse patente. Localizei, então, no livro do nosso antigo bispo —  Apontamentos de Retiros —,  um  retiro orientado pelo padre Jeremias, em Fátima, entre 13 e 17 de Junho de 1983. Só algumas passagens:

Conferência da manhã: «Uma conferência doutrinalmente profunda. O Padre Jeremias começou por evocar o centenário da morte de Santa Teresa de Ávila e o papel que ela desempenhou no século em que viveu. O seu papel foi servir de ponte: ensinou os teólogos (teólogos da escolástica decadente) a rezarem e a serem ‘espirituais’: e ensinou os espirituais a recorrerem à teologia (e aos teólogos) para que a sua espiritualidade tivesse fundamentos sólidos e não fosse devocionismo epidérmico.» 
Mais adiante, diz: «Belas palavras as do Padre Jeremias acerca da esperança a partir do pensamento de S. João da Cruz.»

Outra Conferência da manhã: «Bela conferência do Padre Jeremias sobre a maneira como o homem provocou a ausência de Deus e como Deus procura afirmar a sua presença de amor, chegando a sentar-se no banco dos réus, no lugar do homem… Esta ‘ausência’ de Deus é sentida pelos místicos da maneira mais viva. S. João da Cruz fala nas ‘noites escuras em que Deus parece que se esconde —os terríveis silêncios de Deus!» 
Fico-me por aqui para não cansar os meus leitores. Apenas quis recordar o meu amigo padre Jeremias, sublinhando, levemente, a sua espiritualidade e a admiração que D. Manuel de Almeida Trindade tinha por ele.

Fernando Martins

Manda a tradição — Castanhas e Jeropiga

Dia de S. Martinho 
come castanhas e prova o vinho 

Cá está o nosso assador

Manda a tradição que neste dia, 11 de novembro, se comam castanhas e se prove o vinho novo. Castanhas estarão garantidas, mas o vinho novo não está nos nossos costumes. Na Gafanha não há vinhas, vindimas e muito menos vinho nas pipas à espera da hora de ser saboreado.
Se não há vinho na adega, não falta por aí do bom e do melhor. Mas cá por casa contentamo-nos, tal como na minha infância, com um copito de jeropiga. Até os diabéticos, que é o meu caso, podem adoçar as gargantas, que uma vez não são vezes.
Hoje, porém, as castanhas não têm o mesmo sabor. Assadas no forno do fogão, o gosto não é realmente o mesmo. Antigamente fazia-se uma fogueira no velho borralho, onde por cima se defumavam os chouriços, as morcelas e os presuntos. E à falta dele, era num fogareiro que se assavam as castanhas, numa panela de barro com buracos, ligados uns aos outros com arames, diziam que tal era preciso  para evitar que a panela estoirasse. E sabiam bem… Mas nunca, que me lembre, ficavam com o tempero e o gosto das castanhas vendidas pelos assadores que se instalavam, no olho da cidade de Aveiro, por esta época. Segredos que nunca descobri, mas que eram mais saborosas, lá isso eram.
Ontem, em jeito de quem adianta o dia de S. Martinho, não vá alguém esquecer-se que o dia a celebrar seria hoje, já comemos castanhas, num assador de lata comprado pela Lita em qualquer feira. Será que vamos repetir a dose? Se não, paciência. É que o S. Martinho, à custa das castanhas, é quando nós quisermos.
Bom S. Martinho para todos.

Recordando o Stella Maris

1985 | 10 de novembro | Gafanha da Nazaré



Na freguesia da Gafanha da Nazaré, a Obra do Apostolado do Mar inaugurou a primeira fase do edifício do Clube «Stella Maris», para acolhimento dos marítimos que demandam o porto de Aveiro ou nele se ocupam em quaisquer profissões (Correio do Vouga, 8 e 15-11-1985)

"Calendário Histórico de Aveiro"
António Christo e João Gonçalves Gaspar

Stella Maris nas minhas memórias

A propósito da efeméride que hoje recordo, ocorre-me sublinhar duas ou três coisas da implementação do Clube Stella Maris da Obra do Apostolado do Mar entre nós. Nasceu carregado de boas intenções, mas não terá atingido êxito a nível da sua intervenção pastoral. Exerceu um papel social junto de alguns marítimos e suas famílias, especialmente das classes mais humildes, mas não passou daí.
As instalações do Stella Maris, com edifício próprio que substituiu um antigo pré-fabricado, serviram, normalmente, de dormitório e de pensão económica. Um ou outro encontro, uma ou outra celebração, e pouco mais.
Depois, a dispersão natural da área portuária, o desmantelamento da frota bacalhoeira, a transformação radical da indústria de processamento do pescado, bem como a melhor qualidade de vida a bordo dos navios que demandavam o Porto de Aveiro, juntamente com dificuldades sem conta na implementação de uma pastoral de e para o homem do mar, entre outras razões que nem vale a pena abordar, estiveram na base do fim do Stella Maris.
Quem o viu nascer, sente alguma mágoa, mas temos de ser realistas. Os tempos passaram a ser diferentes, os marítimos de hoje não são, seguramente, os de há uns 45 anos e o nível de vida melhorou, mesmo para os trabalhadores do mar e da ria. Poucos eram os que precisavam de uma pensão que os acolhesse.

FM

Dona Luz Facica nas minhas memórias

A Gafanha da Nazaré foi surpreendida, no dia 4 de outubro, pela triste notícia do falecimento de Dona Maria da Luz Rocha, uma mulher que passou por este mundo fazendo o bem sem olhar a quem. Digo Gafanha da Nazaré, por ser sua terra natal, onde sempre viveu, marcando inúmeras pessoas e famílias pela sua bondade, sentido de responsabilidade, coerência cristã, espírito pedagógico das suas intervenções e amor aos feridos da vida, mas sei que a dor da sua partida para o Pai ultrapassou as fronteiras da nossa região.
Dona Luz Facica, como era conhecida entre nós e muito para além da Gafanha da Nazaré, foi uma cristã de corpo e alma inteiros porque, desde sempre, moldou a sua existência para estar, animar, ajudar, aconselhar e indicar caminhos de bem, de verdade e de vida digna aos que com ela conviviam ou dela se aproximassem em momentos de fragilidades humanas ou de pobreza extrema. 
A Dona Luz, que tivemos a felicidade de acompanhar em muitas ações, dando-lhe o apoio incondicional quando alguns lho recusavam, foi, para imensa gente, um pouco de todo o país, uma mãe solícita, uma crente fervorosa, uma católica empenhada na comunidade e, sobretudo, um testemunho, no meio da sociedade e em todas as circunstâncias, como seguidora incondicional de Jesus Cristo e da Sua Boa Nova que haveria de revolucionar a nossa era, a era cristã, tão simplesmente pelo mandamento novo que nos deixou: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.”

Egas Moniz na estação do Porto

  Quando vou ao Porto, a capital do Norte, lembro-me com frequência dos painéis que decoram a sala de entrada da Estação Ferroviária. Nunca ...