Conversas ao sabor da maré


A vida é um dom permanente, que nem sempre sabemos apreciar e valorizar. Raramente nos apercebemos disso, mas é dom por tudo quanto dela nos vem. 
Ausente uns dias, não muito longe, que viagens cansam, o regresso foi rápido, quase ao cair da noite. A habitual sensação do retorno ao sítio em que criei  raízes profundas e duradouras.
Manhã cedo, que os dias são mais curtos, o erguer foi imposto por visitas programadas. Aqui, nas ruas que me são familiares, encontrei em cada esquina uma voz próxima, uma saudação amiga. E ouvi histórias, e soube de gestos já natalinos, e compreendi projetos solidários, e cruzei-me com amigos de longa data.
A nossa terra é sempre a terra que nos realiza como pessoas de partilha de sentimentos e emoções, de trabalhos e canseiras, de lutas benfazejas, de alegrias mais sonoras, de gestos mais emotivos.
Com a passagem dos anos, fixo mais os rostos e sorrisos das pessoas do que os seus nomes. Por vezes é a voz que torna presente os nomes, normalmente acompanhados de histórias de vida comuns. E então, é por aí que revivo acontecimentos de décadas, quantas vezes de ações solidárias em prol da comunidade e de pessoas.
Embora mais dado ao aconchego da minha casa e nela aos meus recantos de leitura, escrita e música, prazeres que me enchem a alma e me inspiram a alegria de viver, começo, quiçá tardiamente, a valorizar os encontros ocasionais nas ruas da nossa terra. Vou tentar sair mais, na esperança de me enriquecer com as conversas ao sabor da maré.

Bom Dia de S. Martinho

Castanhas e jeropiga para 



Como manda a tradição, celebra-se hoje, 11 de novembro,  o Dia de S. Martinho. Se a nossa região fosse terra de vinhos, teríamos de provar o vinho novo com as castanhas. Assim, limitar-nos-emos a beber um vinho qualquer, ao gosto de cada um, ou a também tradicional jeropiga. Vou pelo que estiver à mão.
Que me lembre, as castanhas numa foram a base da alimentação das nossas gentes, o que acontece mais nas terras de muitas e boas castanhas. Neste caso, é sabido que as castanhas serviam para confecionar boas e substanciais sopas, alguns doces e até para acompanhar carne assada. Garanto que as castanhas são um excelente complemento. Um dia destes fizemos a experiência de substituir as batatas pelas castanhas na carne assada no forno. 
Por cá, pelas nossas terras, opta-se pelas castanhas assadas. Antigamente em caçarolas de barro, com buracos, e temperadas com sal grosso. Eram saborosas, sim senhor. Mas nada que se compare às que comprávamos nas pontes, o olho da cidade, em Aveiro. Vinham embrulhadas em papel de jornal e em folhas das listas telefónicas já retiradas de uso. Sabiam muito bem. Uma dúzia de apetitosas castanhas, de casca esbranquiçada, pelo fogo e talvez pelo sal, descontando umas tantas pobres que vinham sempre na rede das mãos dos vendedores, eram delícias que nos enriqueciam o paladar, para além de nos aquecerem um pouco o corpo e a alma.
Agora, são, normalmente, assadas num qualquer fogão a gás ou elétrico, mas que não é a mesma coisa, lá isso não é. Garanto-vos. Nem as cozidas me sabem tão bem como as assadas. Gostos temperados noutros tempos, por certo.
Bom dia de S. Martinho para todos.

F,M,

Passagem pela Livraria Lello



Durante a minha vida, passei diversas vezes pela célebre livraria Lello, que ostenta a fama de pertencer a um grupo restrito das mais belas do mundo. De facto, ali tão perto da também célebre Torre dos Clérigos, tudo faria crer que eu a tivesse visitado, mas assim não aconteceu, por razões que desconheço, já que sou um frequentador assíduo de livrarias. A fachada é notoriamente diferente das que a ladeiam, dando por isso nas vistas. A verdade é que lá fui pela primeira vez, faz hoje cinco anos, aquando da minha visita ao Porto. A sua beleza e fama estão na arquitetura do seu interior, realmente histórica e digna de ser vista. Não há quem lhe fique indiferente e julgo que é por isso que há sempre quem entre e aprecie com gosto. Aconteceu comigo. Fotografei de um lado e de outro, subi para desfrutar a livraria Lello por todos os cantos. E até desci à cave onde há umas tantas edições, próprias, de bolso, provavelmente únicas, no género.
Cá estão visitantes de máquina em punho, fazendo o que eu havia feito, depois de outros me convidarem, pelo seu exemplo, a fotografar. Pelo que vi, o interior é chamariz para muitos turistas. Portugueses e estrangeiros, havia no rosto de muitos um certo ar de espanto. Depois lá olhavam para os livros.

Homenagem: Irmã Maria Rosa



Partamos 

Partamos!...
a sorrir… de mãos dadas…
olhos presos no azul do Infinito…
embriagando-nos de luz…
— da luz pura e renovadora da Verdade —
galgando «encostas»…
escalando «rochedos»…
conquistando, enfim, as cristas nevadas!...

Ferimos as mãos?...
Tingimos de sangue as pedras dos caminhos?...
Sentimos vertigens à borda de abismos?...
Que importa?

Todo o esforço é uma conquista…
a vida é uma conquista…
que nos deixará na alma, no coração,
em todo o nosso ser, uma alegria justa e imensa…
— a alegria indizível de vencer!...

Subamos!...
É preciso subir para viver…
Subir para ver mais longe…
Subir para compreender os nossos irmãos…
Subir para abraçar a Humanidade inteira…

Partamos, então, a sorrir, de mãos dadas…
Calcorreando caminhos e estradas...
cobertas de pó e de suor…
mas a cantar… a cantar…
irradiando à nossa volta
ALEGRIA
AMOR…

Irmã Maria Rosa

In Timoneiro, Fevereiro de 1984


NOTA: Presto hoje uma singela homenagem a uma pessoa que conheci na década de oitenta do século passado. Chamava-se Maria Rosa e era uma consagrada das Religiosas do Amor de Deus. Tirou o curso de Educadora de Infância já madura. E trabalhou, como coordenadora do jardim e Creche da Obra da Providência, durante algum tempo. Pessoa exigente, responsável e com capacidade de iniciativa. Frontal sem esconder o lado espiritual da vida. 
Há dias encontrei uns poemas seus no Timoneiro e tanto bastou para a lembrar com alguma emoção. Em momentos especiais não se esqueceu de mim. Regressou lá para os lados de Lisboa, onde continuou a trabalhar. Anos depois reconheci-a num concurso da Televisão, para conseguir fundos para uma acção que estava a desenvolver. Ganhou uma verba, que não consigo precisar, e ficou feliz. Soube, mais tarde, que tinha falecido.
Recordo-a com saudade.

FM

Egas Moniz na estação do Porto

  Quando vou ao Porto, a capital do Norte, lembro-me com frequência dos painéis que decoram a sala de entrada da Estação Ferroviária. Nunca ...